Guias turísticos: Contadores de histórias

Guias turísticos

Viajar esvazia o bolso, mas enche a cabeça de ideias boas, de novos conhecimentos e vontade de voltar para casa.

Visitar lugares diferentes com guias turísticos modifica nosso olhar mediante as artes, os monumentos históricos e esclarece muito sobre dados históricos.

Quando saímos pelo país, parece que os guias contam uma história diferente das lidas nos livros. São tão assertivos que a história mais próxima à verdade é a deles. Aí mora o perigo. Se tivermos o cuidado de pesquisar mais a fundo, logo perceberemos que eles alteram “um pouquinho” do que se encontra registrado.

Pudera, como manter a atenção de um grupo grande de pessoas sem usar da criatividade?

Afinal, eles sabem que ninguém viaja para saber de tragédias, mas sim para esquecê-las. Dar beleza e graça à história  local provoca melhores sensações, além de divertir os turistas.

Há casos de situações divertidíssimas em que ocorre o confronto entre o guia e o turista: o guia comenta sobre uma música de sucesso e diz que ela é daquele lugar. De repente, um turista questiona dizendo que não, que aquela música é da cidade dele, dando nomes e datas. Que saia justa, não?

Mas o guia, safo que é, não se aborrece e cria uma piada ou brincadeira desfazendo o confronto.

Quando os guias turísticos são mais velhos, ou mais experientes, as narrativas ganham mais sobriedade; já os mais jovens abarrotam as narrações de gírias locais deixando os turistas com cara de ponto de interrogação, ainda que falem a mesma língua.

Guias são guias: nos levam por caminhos que nem sempre estão nos livros de história, tampouco narram fatos comprovados. Contudo, são eles que conferem um sabor especial às nossas expedições turísticas.

No fundo são almas boas que buscam a todo custo tornar nossa viagem mais agradável e alegre. Por isso contei esta história sobre eles.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Para ler suas outras colunas, clique aqui.

O ônibus que sai de Santa Fé

Elza Gabaldi nos leva em uma viagem pelo México onde ela trabalhou como professora de português. Vamos entrar nesse ônibus também?
A viagem duraria pouco mais de uma hora. As pessoas, em fila, esperavam o ônibus que os levaria para seus lares, depois de um dia de trabalho. Silenciosas elas se mantinham atentas à espera do ônibus que estava atrasado. E a fila aumentava a cada minuto. No céu, as nuvens prenunciavam que viria chuva, muita chuva.

A chegada esperada foi lenta, a parada lenta, o abrir das portas lento, a subida dos passageiros ordenada e educadamente lenta. Os assentos lotados, mais gente entrando, a tentativa de ceder um espacinho para mais alguém, pois todos se reconheciam na mesma ansiedade, nos rostos e corpos cansados do dia de trabalho, de pé, naquele pequeno espaço que lhes tocava.

O céu foi se fechando, a chuva se aproximando, a velocidade do ônibus diminuindo. A angústia foi se desenhando naquelas faces de gente trabalhadora. Uma certa impaciência silenciosa passou a imperar. Naquele silêncio todos sabiam o que dizer, mas não diziam, até por respeito aos outros e asi mesmos.

Um homem jovem, uns 30 anos talvez, moreno, mediano de tamanho nas formas do corpo. Simples, mas não sem classe, rosto tranquilo, olhos atentos, seguia ali também, fazendo parte da superlotação. Foi o único a dizer poucas palavras: “vamos a llegar, vamos a llegar, calma…” Dizia a mesma frase de vez em quando, talvez porque sentisse que alguém à sua volta estava deveras ansioso e, como um mantra, ele repetiu a mesma frase várias vezes durante a viagem que se estendeu por mais de duas horas: “vamos a llegar, vamos  a llegar, calma…”

A cada vez que o ônibus parava nos semáforos ou no trânsito intenso devido à forte chuva, sua fala mansa aparecia: “vamos a llegar, vamos a llegar, calma…”

Talvez ele dissesse em voz alta – ainda que em tom  baixo – o que todos intimamente repetiam: “vamos a llegar, vamos a llegar, calma…”

Ali, naquele ambiente em que todos comungavam a mesma apreensão e ansiavam por estar em suas casas ele se fez a voz de todos.

Quando o ônibus chegou ao destino e parou, ele  apenas disse: “llegó”!

Todos vínhamos de Santa Fé. Ele vinha com fé.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Também leciona espanhol e escreve neste espaço toda semana. Leia suas outras colunas aqui.