Um hiato entre a leitura e a interpretação virtual

Nesta coluna o escritor propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Nesta coluna o professor Saulo César propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Começo este artigo trazendo uma construção metafórica representada por um hiato (quase) imaginário entre a leitura e a interpretação em tempos de  globais. Essa provocação inicial apresenta um propósito: refletir entre as incertezas trazidas pela realidade de uma sociedade pandêmica e a necessidade de sobrevivência da Escola e de seus alunos.

Durante a suspensão das aulas presenciais, como parte da adoção de medidas restritivas pelos Governos comprometidos com a vida, exigiu-se  a adoção, adequação e aprimoramento de aulas remotas, tanto nas escolas privadas quanto nas públicas.

Esse novo contexto requereu em particular de professores e educadores em geral, mudanças  metodológicas no emprego de estratégias pedagógicas como por exemplo, no estudo da leitura nas aulas de Língua Portuguesa.

Se antes o livro impresso, em muitos casos, ainda exercia papel fundamental na interação leitor – texto, hoje, tem-se os textos digitais que passaram a substituí-lo dentro de uma lógica em que ler é construir o sentido a partir de uma percepção também baseada na virtualidade. Inclusive quando contextualizamos essa tendência ao mundo das pessoas cegas é possível identificar que elas estão na dianteira. Ou seja, com o aperfeiçoamento das ferramentas de acessibilidade ao longo dos últimos anos, destacando-se os software de voz, ATUALMENTE muito popularizados. Os alunos cegos há algum tempo, já leem, compreendem e interpretam materiais digitais por meio de sintetizadores instalados em seus próprios celulares; o que representa um ganho fantástico!

O desenvolvimento tecnológico a partir dos anos de 1990 do século XX, já vinha lançando novos desafios para o campo educacional. E com a aceleração dessa tendência que vivemos agora, (a suspensão de aulas presenciais entre outras atividades sociais), a imersão nessa realidade computacional, tornou-se praticamente  compulsória.

A sala de aula física se metamorfoseou em  espaço abstrato. É ali que as falas passam a acontecer, os materiais conteúdísticos começam a ser apresentados, as dúvidas são respondidas e os rostos, por vezes, ganham contornos humanizando-se por detrás das telas dos smartphones e seus afins. E, diante desse quadro, a Escola resiste ao seu aniquilamento como detentora do conhecimento; reinventa-se,  e no “olho desse furacão” o professor,  com  sua bagagem mais preciosa: o saber para formar e transformar vidas.

Fazendo referência a minha própria experiência como professor universitário é possível prever que ao final dessa batalha, a Escola sobreviverá (sem entrar no mérito da contabilização de mortos e feridos, literais ou não), quiçá no mesmo modelo que a conhecemos. Certamente continuará a exercer o seu papel de Instituição de Estado, responsável pela educação formal e transmissora de conhecimento.

Para isso se concretizar, no entanto, será necessário exigir da própria sociedade civil, por meio de seus representantes eleitos, que as escolas da rede pública garantidoras constitucionais do acesso à educação para todos,  tenham a sua importância reconhecida e seus profissionais valorizados, recebendo todo o suporte necessário para o desempenho adequado de suas  funções.

Além disso, só haverá de fato uma transição democrática para essa “Nova Escola” se os seus alunos forem incluídos socialmente no mundo onde vivem, ofertando-se uma distribuição menos perversa de renda que lhe dê dignidade para se reconhecerem respeitados em suas necessidades mais básicas.

Só assim a Escola continuará a exercer o seu papel fundamental de facilitadora para uma aprendizagem de qualidade, formadora de cidadãos e cidadãs, na construção de um país  melhor e mais humano, sobretudo em tempos de pandemia.

Prof. Saulo César Paulino e Silva escreve nesse espaço todo mês, para ler suas outras colunas, clique aqui.

 

Nesta coluna o professor Saulo César propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

Gostaria de iniciar esse nosso artigo, relembrando uma das máximas freirianas, em que o autor dizia: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra[1]”, motivando-nos, em forma de paráfrase, o título desta nossa conversa. Levando-se em consideração o atual contexto, em que as sombras da Idade Média pairam sobre nossas cabeças, ressurgindo das masmorras de Senhores Feudais, torna-se fundamental o resgate das ideias (e ideais) de importantes intelectuais de nossa sociedade brasileira para continuarmos a acreditar que temos uma história e somos uma Nação!

Embora a organização do parágrafo anterior se construa a partir de uma realidade metafórica, não perde a sua importância e relevância, particularmente para nós, Professores e Educadores de uma maneira geral.

Pode-se dizer que o trabalho de sala de aula (ou fora dela),onde o conhecimento se torna a mola propulsora de uma transformação necessária, avançamos pouco e regredimos muito nesses últimos dois anos, no quesito Educação entre tantos outros temas importantes. Somando-se a isso, estamos vivenciando um cenário de horror em que o negacionismo está levando milhares de nossos compatriotas à morte, dilacerando mentes e corações. Nessa perspectiva, me debruço em propor uma reflexão com vocês, caros leitores e leitoras.

E as nossas escolas, nesse contexto? Como ficam?

A volta às aulas surge como um dilema espinhoso tanto para as autoridades, quanto para professores, alunos e seus familiares. Diante desse quadro, desenha-se uma situação ainda mais complexa, quando nos questionamos a respeito de alunos com alguma deficiência, que necessitam de um suporte especializado, além do ensino regular.

Sendo assim, e de acordo com a concepção do nosso Educador Emérito, é possível inferir, que a percepção do presente, ou seja, a leitura do “texto-mundo”, de hoje, poderá fornecer ingredientes para o surgimento de uma geração de alunos (com deficiência ou não) esvaziada do significado do termo escola, onde conhecimento e vivência são essenciais para a formação do ser humano e consequentemente da vida em sociedade.

Retomando a provocação inicial, exposta no título deste texto, pode-se afirmar que o ato de ler vai muito além do reconhecimento do código, ou seja, o nascimento de leitor, prescinde da “morte” do autor, segundo o pensador francês Roland Barthes, quando  defendia uma espécie de pós-estruturalismo desconstrutor em “O Rumor da Língua”. [2]

Portanto a construção de sentidos, durante o ato de ler, é resultante das experiências de mundo desse leitor, em que a vivência cultural e social contribuem para o enriquecimento de seu repertório, dinamizado cognitivamente em suas memórias de longo prazo. Nesse sentido, é possível inferir que alunos cegos, por exemplo, provavelmente, apresentarão uma vivência diferenciada de alunos videntes, que contam com a visão para compreenderem e interpretarem o mundo a partir, e principalmente, de suas referências visuais.

Este breve texto não tem a pretensão de apontar respostas, mas suscitar questionamentos, que  levem a  pensar como esses alunos cegos estariam interpretando a realidade presente! Para ilustrar essa ideia, sabe-se, por exemplo, que a rotina sintática, dos móveis, em uma sala de aula, é fundamental para proporcionar mobilidade e segurança  do eu-sujeito cego. Diante disso, pergunta-se: de que maneira o atual quadro social, em que todas as rotinas foram alteradas, estariam repercutindo em suas vidas e influenciando  suas percepções?

Dessa forma, voltamos ao cerne de nossa preocupação mais urgente: a reabertura das escolas e a volta as aulas presenciais parecem colocar em xeque duas perspectivas, que se antagonizam momentaneamente: a preservação da vida ou a retomada dos estudos.

Sem querer oferecer respostas prontas, penso que para haver escola é preciso, primeiramente, que as pessoas existam, pois a inversão dessa premissa leva a um sofisma macabro.

Agradeço, mais uma vez, a participação de todos vocês e se puderem compartilhar suas opiniões, a partir dessas reflexões, poderemos construir, juntos, um diálogo interativo muito promissor.

Obrigado.

 

[1] FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: cortêz, 1988.

[2] BARTHES, Roland. O rumor da língua. Trad.: Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.