É o que é e vale o que vale

Nessa crônica o professor Manuel Pires fala sobre as modas das palavras e expressões que adquirem relevância, mesmo sem dizer muita coisa.

Boas tardes, meus caros. Espero que a saúde vos acompanhe e que vos tenha em boa companhia. Estas palavras que hoje vos trago foram escritas há um par de meses durante as derradeiras tardes de Verão e todos nós sabemos que o infernal Verão do Nordeste Trasmontano é como é e as sombras frescas estão onde estão.

Eu, pessoalmente, não desfazendo velhos choupos e amoreiras, prefiro as sombras das casas antigas feitas há muitos anos atrás com aquelas grandes lajes de xisto mais refrescantes que qualquer sistema de ar condicionado. Uma pessoa entra para dentro de casa, muitas vezes após desviar do caminho as típicas correntes de fitas para o moscaredo, e sente imediatamente aquele bom frio fresquinho a emanar das pedras que os homens a braços extraíam dos termos das aldeias, subiam para cima dos carros e levavam para as casas com ajuda domesticada de animais laboriosos.

Antes que me esqueça congratulo desde já o caro leitor por fazer parte deste momento com especial irrelevância histórica. É que o parágrafo anterior bateu provavelmente o recorde de truísmos, pleonasmos e repetições desnecessárias de que há memória num só parágrafo pelo menos na era D.C., depois do Covid. É um momento com a sua peculiaridade e que, como outros, vale o que vale. Quero com isto dizer que é saborosamente interessante para quem aprecia a moda das palavras com que as pessoas vestem o seu falar, poder acompanhar quais os acessórios, nomeadamente, as muletas, bengalas ou cajados que mais se usam em cada época. Por norma, as pessoas com menos recursos a nível de guarda-roupa lexical são as que mais aderem a este tipo de vestuário, mas também há as que tropeçam nestas vestimentas à força de tanto estarem na moda. Nesta Primavera/Verão está muito em voga o é o que é, um acessório poderoso na medida em que diz tudo sem dizer nada, ou por outro lado, que nada diz deixando tudo concludentemente dito. A nível de rematar frases é uma expressão portentosa uma vez que consiste numa espécie de solilóquio epicurista voltado para a aceitação das coisas segundo a sua natureza intrínseca, o que se coaduna com estes tempos de pandémica impotência perante o devir colectivo da humanidade. Ou para usar esta bainha retórica com que neste momento se bordam as frases, e tal como defende a filosofia mais económica, a força desta expressão reside no facto de que as coisas são como são e o ser humano vale o que vale. A questão é que a sensibilidade dos nossos ouvidos também é como é. Por isso, pese embora a boa intenção dos rematadores, estes são remates de frases cujo propósito era ir na direção do gol mas acabam por desaguar tristemente pela linha lateral. No meu caso, este exercício é ainda mais desafiante de fazer porquanto eu não vivo em Portugal. Na verdade eu nem sei se esta é efetivamente uma moda entre o falar dos portugueses ou se apenas mera impressão minha. É que a minha amostra tem apenas três pessoas. É certo que são apenas três gatos pingados, mas, conhecendo o perfil do todo, o suficiente para considerar ou desconfiar que têm alguma relevância estatística. A saber: um técnico interino que disse há tempos que a situação do seu time é o que é e acrescentou que os problemas têm a dimensão que têm; um locutor de rádio a quem ouvi dizer é como é a propósito de não sei o quê; e um amigo que me enviou uma mensagem de Whatsapp dizendo que estava tudo bem e que cito “isto da pandemia é uma m…, mas é o que é”, assumindo aqui a expressão um profundíssimo valor semântico e sociocultural de cariz indelevelmente português. Possui o escárnio no modo abrangente e conspurcado como define a pandemia e introduz uma constatação pertinente e aliterante que fomenta a reflexão e induz no receptor da mensagem margem para a sua própria interpretação da mesma. É o que é representa um idiomatismo como sinal dos tempos que atravessamos e que pela sua descarga retórica estará ao mesmo insigne nível das tiradas que se partilhavam dos futebolistas e jornalistas desportivos no tempo em que ainda se enviavam piadas e entreténs por e-mail. “Não jogaram bem nem mal, antes pelo contrário”; “fica na retina um cheiro a bom futebol”; “neste estádio ouve-se um silêncio ensurdecedor”; “prognósticos só no fim do jogo” são exemplos de frases que fazem parte do cancioneiro de idotismos portugueses com o bastante de idiota para se poderem fossilizar. Infelizmente esta moda ir-se-á desvanecer com o tempo e será substituída por outros acessórios causadores de coceira em sítios difíceis de coçar. Esperemos que a moda Outono/Inverno de acessórios parvo-linguísticos seja mais amiga dos nossos ouvidos internos. Talvez não, porque afinal a vida é como é, as pessoas são como são e tudo isto vale o que vale. Saúde! Um abraço!

Manuel Pires é professor de Português para estrangeiros e leciona na China

 

Nhenhenhém, a herança indígena no português

Comendo fruta, cuidando de plantas ou mesmo chamando alguém vemos muitas palavras que são herança indígena no português.
Nhenhenhém, é riqueza vocabular, a herança indígena no português.
Nenhum brasileiro tem dúvida sobre sua língua materna. Sabe que sua maior expressão se dá pela língua portuguesa.  É por meio dela que ele se identifica e se expressa. Contudo, comendo uma fruta, cuidando de plantas, passado por cidades ou mesmo chamando alguém pelo primeiro nome, verifica-se que são muitas as palavras que não são oriundas do Português. Elas são uma herança deixada pelos nativos da Terra Brasilis, os índios.
Quando os europeus aqui aportaram, depararam-se com uma infinidade de plantas, frutas e animais que desconheciam. Foram os índios que apresentaram todas as novas espécies aos europeus. E, até hoje usamos grande parte das palavras delas, ainda que não conheçamos seus significados.
Quem nunca comeu jaboticaba, ou tomou seu delicioso licor? Quem nunca viu uma jaguatirica? Se não viu, já viu o tatu. Este animalzinho foi tema da Copa do Mundo, o Fuleco. E muita gente ficou jururu por causa do fracasso de nossa equipe.
Ninguém quer morar numa biboca, nem ficar velha coroca, muito menos capenga. Ficar jururu, nem pensar. Melhor comer mandioca e lambari fritos em companhia da Iracema.
Melhor ainda, conhecer mais palavras que estão na boca do povo e em muitos outros.
Frutas: Segundo Silveira Bueno, jaboticaba vem do tupi-guarani e significa fruto em forma de botão. E haja botão naqueles galhos e troncos. Nascem pequenos, verdes e crescem e se tornam roxos intensos. Ricos em tanino, como o vinho. Assim, dizem.
Animais: jabuti, que nada e respira. Jaguatirica, onça arisca, fujona.
Lugares: Jabaquara, de yabá-coara, que significa o lugar dos fujões. Lugar no alto da serra entre Santos e São Paulo. Para lá fugiam os escravos e lá formaram quilombos.
Plantas: jacarandá, que tem cerne duro, madeira dur. Esta árvore, além das flores roxas, é muito usada em chás. Sua madeira serve para fazer violões. Encanta os olhos e os ouvidos.
Pessoas: Iracema, lábios de mel. Iara, senhora, dona.
Há ainda os adjetivos:
Coroca, que significa caduca, misturou-se com o latim. Caduco em latim significa aquele que cai.
Capenga, de acanga, osso; de penga, quebrado. Ou seja, ficar quebrado, partido, aleijado.
Jururu, de yuru-ru, boca comprida, bico comprido. E quem não fica de bico quando está triste, pensativo ou melancólico?
Biboca, significa buraco no chão. Também se associa a casebre, casa feita de pau-a-pique e barro.
Mandioca. Esta faz sucesso em muitos pratos. No livro, O país das Bananas, de J. A. Dias Lopes, está registrado que os europeus ficaram encantados quando viram os índios comendo aquela raiz cozida com mel. Mal sabiam eles que esta raiz nos daria muitas outras riquezas culinárias.
Lambari, de lambary, pequeno peixe de água doce. Muito apreciado como petisco ou tira-gosto. Por ser pequeno, quando frito, fica crocante.
Como se pode observar por estas poucas palavras, não se pode negar que o português do Brasil foi enriquecido graças àqueles que aqui estiveram antes de nós. Quem não presta atenção nisso, perde um patrimônio imensurável.
No uso comum, dizemos que nhenhenhém quando queremos dizer que alguém está falando muito e coisas sem importância. Mas nhenhenhém, segundo Nascentes, vem do tupi e significa falar.
Hoje, sabemos que 80% dos nomes da fauna e da flora vem principalmente do tupinambá. Não podemos ainda esquecer outras palavras que enriquecem nossa língua portuguesa. Tal riqueza está em nossos lábios e em nossas vidas todos os dias.
Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Também leciona espanhol e escreve neste espaço sempre que pode. Acesse suas outras colunas aqui.

 

  • 06/07/2019

Livros de PFOL no Brasil

Agora que sabemos como surgiram os LDs, vamos ver um levantamento histórico dos LDs se PFOL publicados no Brasil. Esse levantamento foi feito pela Professora Denise Pacheco para sua pesquisa de doutorado de 2006. Acrescentamos abaixo os livros publicados depois dessa data.

Alguns livros foram editados, tiveram revisão ou foram modificados para o meio digital, mas essas informações não foram detalhadas nesse artigo. E, como podem ver, as editoras com mais publicações na área de PFOL são: Disal, Editora EPU (atual Grupo Gen), Hub Editorial e SBS. Caso queira contribuir com alguma publicação de livro que não esteja na lista, por favor nos escreva.

1901 – Manual de língua portuguesa – Rudolf Damm.
1954 – Português para Estrangeiros, 1° Livro, Mercedes Marchant, Porto Alegre: Sulina.
1973 – Português: conversação e gramática. Haydée Magro & Paulo de Paula. São Paulo: Brazilian American Cultural Institute / Livraria Pioneira Editora.
1974 – Português para Estrangeiros, 2° Livro, Mercedes Marchant, Porto Alegre: Sulina.
1978 – Português do Brasil para estrangeiros. Vol. 1. S. BIAZOLI & Francisco G. MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro.
1978 – Português para estrangeiros I e II: conversação cultura e criatividade. S. BIAZOLI & Francisco G. MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro Editora e Importadora Ltda.
1978 – Português do Brasil para estrangeiros Vol. 2. S. BIAZOLI & Francisco G. MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro.
1980 – Falando, lendo, escrevendo português: Um Curso para Estrangeiros, Emma Eberlein O. F. Lima & Samira A. Iunes, São Paulo: Ed. EPU (Editora Pedagógica e Universitária).
1983 – Português para falantes de espanhol. Leonor Cantareiro Lombello e Marisa de Andrade Baleeiro. Campinas, SP: UNICAMP/FUNCAMP/MEC.
1984 – Tudo Bem 1: Português do Brasil. Raquel Ramalhete, Rio de Janeiro: Ed. Ao Livro Técnico S/A, Indústria e Comércio.
1985 – Tudo Bem 2: Português do Brasil. Raquel Ramalhete, Rio de Janeiro, Ed. Ao Livro Técnico S/A.
1989 – Fala Brasil, Português para Estrangeiros. Elizabeth Fontão do Patrocínio e Pierre Coudry, São Paulo, Campinas, Pontes Editores Ltda.
1989 – Muito Prazer! Curso de Português do Brasil para Estrangeiros. Ana Maria Flores. Volumes I e II. Rio de Janeiro: Ed. Agir.33
1990 – Português Via Brasil: Um Curso Avançado para Estrangeiros. Emma Eberlein O. F. Lima, Lutz Rohrman, Tokiko Ishihara, Cristián Gonzalez Bergweiler & Samira A. Iunes. São Paulo: Ed. EPU.
1990 – Português como Segunda Língua. ALMEIDA, M. & GUIMARÃES, L. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico.
1991 – Avenida Brasil 1: Curso Básico de Português para Estrangeiros. Emma Eberlein O.F. Lima, Lutz Rohrmann,Tokiko Ishihara, Cristián González Bergweiler & Samira Abirad Iunes. São Paulo: Ed. EPU.
1992 – Aprendendo Português do Brasil. Maria Nazaré de Carvalho Laroca, Nadine Bara & Sonia Maria da Cunha. Campinas, São Paulo: Pontes Editores Ltda.
1994 – Português para estrangeiros: infanto-juvenil. Mercedes Marchand. Porto Alegre: Age.
1995 – Avenida Brasil II. Emma E. Lima, Cristián Gonzaléz & Tokiko Ishihara. São Paulo: EPU.
1997 – Português para estrangeiros: nível avançado. Mercedes Marchand. Porto Alegre: Age.
1998 – Português para estrangeiros I e II. MEYER, R. M et alii. Rio de Janeiro: PUCRio. (Edição experimental).
1999 – Falar, Ler e Escrever Português: Um Curso para Estrangeiros. (reelaboração de Falando, Lendo, Escrevendo Português) de Emma E. O.F. Lima e Samira A I. São Paulo: Ed. EPU.
1999 – Bem-vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação. Maria Harumi Otuki de Ponce; Silvia R.B. Andrade Burin & Susanna Florissi. São Paulo, Editora SBS.
2000 – Sempre Amigos: Fala Brasil para Jovens. Elizabeth Fontão do Patrocínio & Pierre Coudry. Campinas, SP: Pontes.
2000 – Sempre Amigos: De professor para professor. Elizabeth Fontão do Patrocínio & Pierre Coudry. Campinas, SP: Pontes.
2001 – Tudo Bem? Português para Nova Geração. Volume 2. Maria Harumi Otuki de Ponce, Silvia Regina. B. Andrade Burim & Susana Florissi. São Paulo: Ed. SBS.
2001 – Interagindo em Português. Eunice Ribeiro Henriques & Danielle Marcelle Granier. Brasília: Thesaurus.
2002 – Passagens: Português do Brasil para Estrangeiros com Guia de Respostas Sugeridas . Rosine Celli. Campinas, SP: Pontes.
2003 – Diálogo Brasil: Curso Intensivo de Português para Estrangeiros. Emma Eberlein O. F. Lima, Samira Abirad Iunes & Marina Ribeiro Leite. São Paulo: Ed. EPU.
2004 – Aquarela do Brasil: Curso de Português para falantes de espanhol. Edileise Mendes Oliveira Santos (MD proposto em sua Tese de Doutoramento, apresentada na UNICAMP, em 2004).
2005 – Estação Brasil: Português para estrangeiros. BIZON, A C. Campinas, SP: Ed. Átomo.
2006 – Panorama Brasil. Ensino do Português do mundo dos negócios. PONCE, M. H. O.; BURIM, S. R. B. A.& FLORISSI, S. São Paulo, SP: SBS.
2009 – Muito Prazer – fale o português do Brasil. FERNANDES, G. R. R.; FERREIRA, T. L. S.B & RAMOS, V. L. São Paulo, SP: Disal.
2010 – Viva – Língua Portuguesa para Estrangeiros. ROMANICHEN, Claudio. São Paulo, SP: Editora: Positivo (coleção de 4 volumes)
2012 – Celpe-Bras sem segredos. FORTE, Graziela. São Paulo, SP: Hub Editorial (livro digital)
2013 – Bons Negócios – Português do Brasil para o mundo do trabalho. SANTOS, Denise; SILVA, Glaucia V. São Paulo, SP: Disal.
2014 – Como está o seu português. PONCE, Maria Harumi de. São Paulo, SP: Hub Editorial.
2014 – Vamos falar português: Ensino do português do Brasil como língua de herança. FLORISSI, Susanna; RAMOS, Anna Claudia. São Paulo, SP: Hub Editorial. (volume 1 – iniciante)
2015 – Vamos falar português: Ensino do português do Brasil como língua de herança. FLORISSI, Susanna; RAMOS, Anna Claudia. São Paulo, SP: Hub Editorial. (volume 2 – avançado)
2015 – Criatividade e Expressão: Exercícios de português para estrangeiros. RIBEIRO, Tatiana. São Paulo, SP: Disal
2016 – Português do Brasil como língua estrangeira – gramática. ZAMPIETRO, Linei. São Paulo, SP: Disal.
2015 – Fale Português – português do Brasil para estrangeiros. PONCE, Maria Harumi de… [et al.]. São Paulo, SP: Hub Editorial. (Volume 1 – iniciante a pré-intermediário)
2016 – Fale Português – português do Brasil para estrangeiros. PONCE, Maria Harumi de… [et al.]. São Paulo, SP: Hub Editorial. (Volume 2 – pré-intermediário a avançado)
2017 – Brasileirinhos. GONÇALVES, Claudenir. São Paulo, SP: EPU
2019 – Fala & Ação. PEREIRA, Giselda. São Paulo, SP: Gama Editorial.

Incluímos ainda as cartilhas de ensino de PLAc:
2018 – Portas Abertas: Português para Imigrantes. Marina Reinoldes, Paola Mandalá e Rosane Amado. Publicada pela Prefeitura de São Paulo.

2015 – Pode Entrar: Português do Brasil para refugiados. Jacqueline Feitosa, Juliana Marra, Karina Fasson, Nayara Moreira, Renata Pereira, Talita Amaro. Publicada pela Acnur.

Bibliografia:
PACHECO, Denise Gomes Leal da Cruz. Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo. 2006. 335 f. Tese (Doutorado em Letras). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

http://www2.iel.unicamp.br/matilde/2017/07/livros-ple/

Siglas da área de português como língua estrangeira

Nessa coluna a professora Luhema Ueti conta os conceitos das diversas siglas usadas no ensino de português como língua estrangeira.
Siglas da área de português como língua estrangeira

 

Depois de conhecer um pouco sobre a história do PFOL no Brasil, vamos conhecer as siglas utilizadas para diferentes perfis de estudantes e contextos de ensino/aprendizagem de português como língua estrangeira.

Em primeiro lugar, temos os conceitos de Língua Materna (LM) ou língua nativa que nada mais é do que a primeira língua que o estudante aprendeu em sua vida. Pode não ser a língua oficial do país ou da nacionalidade do estudante, pois ele pode estar inserido em uma comunidade específica. Em seguida, a primeira distinção que devemos fazer é entre língua estrangeira e segunda língua e tudo depende do contexto em que o indivíduo que aprende a determinada língua está inserido, se ele está aprendendo a língua-alvo (LA) no país em que ela é falada, ele está aprendendo uma segunda língua, se ele está aprendendo a língua-alvo num país onde ela não é falada, ele está aprendendo uma língua estrangeira. Por exemplo, se um estudante estrangeiro está aprendendo português no Brasil, em imersão, ele está aprendendo português como segunda língua (PL2) (pode ser terceira, quarta ou quantos números forem possíveis). Se um estudante está aprendendo a língua portuguesa no seu país de origem e essa língua não é falada nesse local, ele está aprendendo português como língua estrangeira (PLE).

Há também o conceito mais recente de língua adicional, que é a língua portuguesa aprendida em adição a, pelo menos, uma outra língua, não importando o contexto em que o estudante aprende essa língua (PLA)

A sigla utilizada nesta coluna é PFOL (Português para Falantes de Outras Línguas), uma vez que ela pode ser utilizada em diferentes contextos de ensino/aprendizagem da língua. Dentro dessas duas últimas siglas, podemos incluir, sem distinção, os indivíduos surdos e os indígenas que aprendem a língua portuguesa como língua adicional ou como outra língua.

Há também o Português como Língua de Herança que é ensinado/aprendido por crianças ou adolescentes cujos pais têm a língua portuguesa como língua materna e a ensina a seus filhos. Na maioria dos casos, esse contexto é encontrado fora do Brasil, em famílias imigrantes.

Agora já é possível identificar cada uma das siglas utilizadas pelos pesquisadores e professores da nossa área.

Abaixo você vai encontrar todas as siglas.

LM – Língua Materna

LA – Língua alvo

PL2 (e outros números) – Português como Língua 2

PLE – Português como Língua Estrangeira

PFOL – Português para Falantes de Outras Línguas

PLA – Português como Língua Adicional

PLAc – Português como Língua de Acolhimento

PLH – Português como Língua de Herança

PB – Português Brasileiro ou Português do Brasil

Bibliografia

LEFFA, Vilson J.; IRALA, Valesca Brasil (Orgs.). O ensino de outra(s) língua(s) na contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas. In: Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014.

Disponível em: http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/livro_espiadinha.pdf

Luhema Ueti é professora de PFOL desde 2005, formada Letras e Pedagogia, com Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Escreve nesse espaço duas vezes por mês.

O livro didático

A professora Luhema Ueti mergulha de cabeça e analisa os mais diversos livros didáticos usados na área de PFOL, PLE.

A história do LD tem como base a história do livro de leitura, Barbier (2008) apresenta o levantamento histórico, desde a invenção da escrita e dos papiros até o surgimento das novas tecnologias e dos livros digitais, em um panorama histórico que aqui será sintetizado.

De acordo com Barbier (2008), a história do livro está relacionada à da escrita, especialmente a alfabética, que aparece a partir do II milênio a.C.. Acredita-se que o volumen, primeira forma de livro, tenha surgido no Egito, no início do III milênio a.C.. Era feito de tiras do caule do papiro – planta encontrada às margens do Rio Nilo. Como o papiro ao ser dobrado quebrava-se, o livro era enrolado e consequentemente o texto era escrito em um só lado, dividido em duas colunas sucessivas perpendiculares.

Em Roma, o papiro era empregado desde o século III a.C. e era muito utilizado para difundir as ideias dos intelectuais da época.  Com o desenvolvimento da escrita cursiva, entre os séculos I a.C. e VI d.C., o volumen perdeu espaço para o codex: livro em pergaminho (pele de carneiro preparada), dobrado e encadernado. A pele de carneiro era preparada para receber a escrita, depois era dobrada algumas vezes, formando assim um caderno que podia ser costurado com outros cadernos. Com esse novo formato de livro, usava-se os dois lados do suporte e podia-se consultar e tomar notas, privilegiando o estudo individual e silencioso. 

A Igreja Católica está intimamente ligada ao desenvolvimento dos livros, pois as escrituras e ensinamentos bíblicos eram copiados e escritos para que se pudesse propagar a fé cristã. Até o século XI, a fabricação dos livros desenvolveu-se nos monastérios e os monges foram os responsáveis por ampliar as técnicas de preparação da pele de pergaminho, de paginação e encadernação.

Nesse mesmo século, o livro ganhou um universo fora do mundo religioso. Com o surgimento das universidades, a escrita e o livro passam a ser para a ampliação do conhecimento científico e intelectual. Surgem também livrarias comerciais, espaços especializados na venda de materiais para a escrita, bibliotecas fora dos monastérios e particulares. Nesse período o livro também passou a ser um objeto de recreação, os burgueses cultivavam o hábito de ler como uma forma de diversão.

Para atender a um número maior de indivíduos letrados, a produção de livros cresceu e se desenvolveu, juntamente com suas técnicas. Por volta do século XI, o papel chegou à Europa, trazido pelos árabes da China e tornou-se material mais utilizado em pouco tempo, devido ao seu baixo custo e mais rápida produção se comparado ao pergaminho.

Por volta de 1455, em Maiença, na Alemanha, Gutenberg publica a Bíblia de 42 linhas ou Bíblia de Gutenberg, livro que marca o início do desenvolvimento da tipografia. Segundo Barbier (2008, p. 122), antes disso, por volta de 1454, foram publicadas, também por Gutenberg, algumas edições de um manual de ensino de latim, provavelmente o primeiro livro didático impresso com técnicas tipográficas.

Com a criação da tipografia, as técnicas de produção dos livros são modificadas, fazendo com que o mercado que gira em torno do livro também se modifique. São criadas novas profissões, materiais e máquinas que modernizaram o processo de impressão. A tipografia espalha-se, primeiramente, pela Europa, e depois pelo mundo todo.

A tipografia se moderniza, utilizando-se de caracteres móveis, com isso os livros têm seu formato e preço reduzidos, tornando-se acessíveis a mais indivíduos. A cultura da leitura também se modifica, passando a ser silenciosa e mais rápida, além de estar presente no cotidiano de grande parte da população. Com as ideias Iluministas, o conteúdo impresso deixa de ser apenas religioso e passa a ser relacionado também às ciências humanas.

No século XIX, a produção de livros torna-se industrial, os números de gráficas aumentam, são criadas novas profissões relacionadas à impressão dos livros e o papel também é produzido em larga escala, diminuindo assim o custo do produto. A demanda aumenta, começa a ser implementado o uso do livro didático nas escolas. O “consumo” de livros aumenta e consequentemente as publicações também.

Hoje, com a modernização da fabricação de papel, da impressão do livro, há uma produção em massa e com o desenvolvimento dos meios de comunicação e informação, o livro adquire um formato digital, podendo ser lido na tela do computador, o chamado e-book ou ouvido no aparelho de som, o audio-book.

Nota-se que o desenvolvimento desse material de apoio está ligado ao aumento do acesso à educação pela população e à modernização e criação de novos suportes. Além disso, a retrospectiva histórica sobre o livro, apresentado por Barbier (2008), relata sobre o processo de produção do livro na Europa, berço do objeto, que teve grande influência na produção mundial, inclusive na brasileira.

Já no Brasil, a história é mais recente. Segundo Freitas e Rodrigues (2009), o marco histórico do LD no país é 1929, com a fundação do Instituto Nacional do Livro (INL), que ficou responsável pela divulgação, produção e distribuição de livros. Depois disso, várias foram as leis que regulamentaram o LD e os programas responsáveis por levá-los às escolas. Em 1938, foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) responsável pela publicação da primeira lei sobre a produção e circulação do LD.

No ano de 1966, iniciou-se a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) pelo MEC, em parceria com a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional. O COLTED era responsável por coordenar a produção, edição e distribuição de 51 milhões de LDs em três anos. Mas foi somente no ano de 1983, que os professores começaram a participar na escolha do LD. Em 1985, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) entrou em vigor, substituindo o PLIDEF (Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental).

Em 1996, foi implementada a avaliação didática dos LDs. Após o ano de 2000, foram criados Programas Nacionais do Livro Didático tanto para o Ensino Médio (PNLEM), quanto para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), em 2004 e 2007 respectivamente. Também em 2007 iniciou-se a distribuição de livros, cartilhas, e dicionários em Braille, além de CD-roms, cartilhas e livros em LIBRAS.

Texto extraído e adaptado da dissertação de mestrado:

UETI, Luhema Santos. O léxico da cultura brasileira no livro didático “Português via Brasil: um curso avançado para estrangeiros. P. 23-26. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, 2012.

Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-15052013-092344/pt-br.php

Bibliografia

BARBIER, F. A história do livro. Tradução Valdir Heitor Barzotto, Ercilene Maria de Souza Vita, Andreza Roberta Rocha, Fábio Lucas Pierini, Luzmara Curcinho Ferreira, Sidney Barbosa. São Paulo: Paulistana, 2008. p. 479.

FREITAS, Neli Klix; RODRIGUES, Melissa Haag. O livro didático ao longo do tempo: a forma do conteúdo. DAPesquisa Revista de investigação em artes. Florianópolis, v. 1, n. 3,  Disponível em: <http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume3/numero1/plasticas/melissa-neli.pdf>. Acesso em 12 de janeiro de 2012.

Mas afinal, quando o PFOL (Português para Falantes de Outras Línguas)* surgiu no Brasil?

Com a globalização, a economia brasileira crescendo, a vinda de multinacionais para o país, a cultura brasileira sendo exportada por artistas, os acordos de cooperação entre o Brasil e outros países a demanda pelo ensino/aprendizado da Língua Portuguesa como língua estrangeira/língua adicional cresceu e muitos professores que antes eram professores de língua portuguesa como língua materna ou eram professores de outras línguas estrangeiras começaram a ensinar PFOL também ou, até mesmo, se especializar nessa nova área. Mas afinal, quando o ensino/aprendizagem de PFOL surgiu no Brasil? Essa é uma pergunta que vamos responder neste primeiro artigo desta coluna.

Talvez nunca tínhamos pensado nisso, mas o começo do ensino de PFOL deu-se com a chegada dos portugueses ao Brasil e com a catequização dos índios. Porém, é somente na década de 1950 que a disciplina deu seus primeiros passos. Nessa época, ainda havia pouca oferta de cursos da língua e o material utilizado era publicado no exterior. No ano de 1954, foi publicado o primeiro livro brasileiro de PFOL “Português para Estrangeiros”, de Mercedes Marchant. Na década de 1960, começam a surgir interesses em pesquisas e ofertas de cursos de PFOL de algumas partes do mundo, como dos Estados Unidos, em 1966, data em que alguns pesquisadores brasileiros e norte-americanos se juntaram para elaborar um material publicado em 1971, intitulado Modern Portuguese. (MATOS, 1997)

Somente nas décadas de 1980 e 1990 é que os estudos na área começaram a ser divulgados. As primeiras dissertações de mestrado sobre PFOL são de Arai (1985), com o título “Fluência na aquisição do português como língua estrangeira” e Moura (1986), com o título “Uso de conceitos psico-sócio-linguísticos para avaliação de conteúdo em livros didáticos de português para estrangeiros”, na PUC/SP e na UFPE, respectivamente. Não obstante, o primeiro livro, organizado por Almeida Filho e Lombello (1989), foi lançado em 1989, e reunia artigos sobre ensino de PFOL – “O Ensino de Português para Estrangeiros: pressupostos para o planejamento de cursos e elaboração de materiais”. (FURTOSO, 2001, p.25)

Com relação à formação de professores, a Universidade de Brasília foi pioneira com a implantação de uma disciplina para a formação de professores de PFOL, em 1988, e a criação, em 1990, do Programa de Ensino de Pesquisa em Português para Falantes de Outras Línguas (PEPPFOL). (FURTOSO, 2001, p.23)

É, também, em meados de 1990 e na década seguinte que a publicação de livros didáticos e artigos torna-se significativa. Nessa mesma época, são criados os Leitorados (função regulamentada pela CAPES/MEC e MRE em 1999), os Centros de Estudos Brasileiros e os Institutos Culturais, que têm o objetivo de divulgar a cultura e língua brasileira por todo o mundo. Além disso, é criado em 1993, o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros, o CELPE-Bras, exame oficial do Ministério da Educação, composto por tarefas que visam a avaliar a compreensão e a produção oral e escrita do indivíduo. O CELPE-Bras é requisitado por algumas universidades para ingresso nos programas de graduação e pós-graduação e também por algumas entidades para a validação de diplomas de profissionais estrangeiros que trabalham no país.

Em 1991, o Tratado do Paraguai abriu as fronteiras econômicas com a criação do Mercosul, que, segundo Zoppi-Fontana (2009, p.16), foi um marco para a institucionalização do português como língua estrangeira e como “língua transnacional”. Assim a procura por aulas de português para estrangeiros cresceu. Nesse mesmo ano ocorre, no Brasil também, a fundação da Sociedade Internacional Português Língua Estrangeira (SIPLE), que reúne pesquisadores, professores, linguistas e estudantes, cujos interesses em comum são os de divulgar, estudar e colaborar para o ensino/aprendizagem de PFOL.

Durante esse período, a demanda pelo ensino de PFOL cresceu, assim como a economia do país, o que fez modificar um pouco o público-alvo dessa disciplina, que passou a ser formado também por trabalhadores imigrantes, pessoas em situação de refúgio, intercambistas e executivos de multinacionais e seus familiares. Para essas novas demandas, surgem os cursos da língua em centros de línguas de universidades brasileiras, além das ofertas dos cursos da língua pelas escolas de idiomas e instituições e ONGs. A demanda por professores de PFOL também cresce e a profissão começa a ser vista com mais seriedade. Para isso, mais cursos de formação específica de professores são criados, assim como cursos de graduação e também programas de mestrado e doutorado, em algumas universidades brasileiras.

Quase 70 anos depois, podemos identificar a área como uma área consolidada, com materiais didáticos diversificados, pesquisas e ofertas de muitos cursos em escolas de idiomas, mas a oferta de cursos para formação de professores de PFOL ainda é pequena (vamos abordar e ampliar esse tema em outro momento).

Agora que você já sabe como o ensino/aprendizado de PFOL iniciou no Brasil, vamos conhecer um pouco mais sobre as siglas e os perfis dos alunos? Esse vai ser o tema de nosso próximo texto. Até lá!

*Desde 2001, com a dissertação de Furtoso (2001), escolhe-se utilizar o termo PFOL, que se refere tanto aos aprendizes de L2 (indivíduos que aprendem a língua em contexto de imersão), como aos aprendizes de LE (indivíduos que aprendem a língua como estrangeira, em um país em que ela não é oficial).

Texto extraído e adaptado da dissertação de mestrado:

UETI, Luhema Santos. O léxico da cultura brasileira no livro didático “Português via Brasil: um curso avançado para estrangeiros. P. 16-17. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, 2012.

Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-15052013-092344/pt-br.php

Bibliografia:

ALMEIDA FILHO, J.C.P.; LOMBELLO, L.C. (Orgs.). O ensino de português para estrangeiros – pressupostos para o planejamento de cursos e elaboração de materiais. Campinas: Pontes, 1989.

ARAI, N. Fluência na aquisição do português como língua estrangeira. 1985. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1985.

FURTOSO, Viviane Aparecida Bagio. Português para Falantes de Outras Línguas: aspectos da formação do professor. 2001, 174 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2001.

MATOS, Francisco. Quando a prática precede a teoria: a criação do PBE. In: ALMEIDA FILHO, J. C. P. & LOMBELLO, L. C. (Orgs.) O ensino de português para estrangeiros: pressupostos para o planejamento de cursos e elaboração de materiais. 2ed. Campinas: Pontes, 1997, p. 11-17.

MOURA, V.L.L. O uso de conceitos psico-sócio-lingüísticos para Avaliação de conteúdos em livros didáticos de Português para Estrangeiros. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1986.

ZOPPI FONTANA, Mônica Graciela. O português do Brasil como língua transnacional. In: ______. (org.). O português do Brasil como língua transnacional. Campinas: RG, 2009. p. 13-41.

Para saber mais sobre o tema:

ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de; CUNHA, Maria Jandyra Cavalcanti. Projetos iniciais em português para falantes de outras línguas. Brasília: EdUnb; Campinas: Pontes Editores, 2007.

DINIZ, Leandro Rodrigues Alves. Mercado de línguas – A instrumentalização brasileira do português como língua estrangeira. Campinas, Editora RG, 2010.


Luhema Ueti é professora de PFOL desde 2005, formada Letras e Pedagogia, com Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Escreve nesse espaço duas vezes por mês.