É o que é e vale o que vale

Nessa crônica o professor Manuel Pires fala sobre as modas das palavras e expressões que adquirem relevância, mesmo sem dizer muita coisa.

Boas tardes, meus caros. Espero que a saúde vos acompanhe e que vos tenha em boa companhia. Estas palavras que hoje vos trago foram escritas há um par de meses durante as derradeiras tardes de Verão e todos nós sabemos que o infernal Verão do Nordeste Trasmontano é como é e as sombras frescas estão onde estão.

Eu, pessoalmente, não desfazendo velhos choupos e amoreiras, prefiro as sombras das casas antigas feitas há muitos anos atrás com aquelas grandes lajes de xisto mais refrescantes que qualquer sistema de ar condicionado. Uma pessoa entra para dentro de casa, muitas vezes após desviar do caminho as típicas correntes de fitas para o moscaredo, e sente imediatamente aquele bom frio fresquinho a emanar das pedras que os homens a braços extraíam dos termos das aldeias, subiam para cima dos carros e levavam para as casas com ajuda domesticada de animais laboriosos.

Antes que me esqueça congratulo desde já o caro leitor por fazer parte deste momento com especial irrelevância histórica. É que o parágrafo anterior bateu provavelmente o recorde de truísmos, pleonasmos e repetições desnecessárias de que há memória num só parágrafo pelo menos na era D.C., depois do Covid. É um momento com a sua peculiaridade e que, como outros, vale o que vale. Quero com isto dizer que é saborosamente interessante para quem aprecia a moda das palavras com que as pessoas vestem o seu falar, poder acompanhar quais os acessórios, nomeadamente, as muletas, bengalas ou cajados que mais se usam em cada época. Por norma, as pessoas com menos recursos a nível de guarda-roupa lexical são as que mais aderem a este tipo de vestuário, mas também há as que tropeçam nestas vestimentas à força de tanto estarem na moda. Nesta Primavera/Verão está muito em voga o é o que é, um acessório poderoso na medida em que diz tudo sem dizer nada, ou por outro lado, que nada diz deixando tudo concludentemente dito. A nível de rematar frases é uma expressão portentosa uma vez que consiste numa espécie de solilóquio epicurista voltado para a aceitação das coisas segundo a sua natureza intrínseca, o que se coaduna com estes tempos de pandémica impotência perante o devir colectivo da humanidade. Ou para usar esta bainha retórica com que neste momento se bordam as frases, e tal como defende a filosofia mais económica, a força desta expressão reside no facto de que as coisas são como são e o ser humano vale o que vale. A questão é que a sensibilidade dos nossos ouvidos também é como é. Por isso, pese embora a boa intenção dos rematadores, estes são remates de frases cujo propósito era ir na direção do gol mas acabam por desaguar tristemente pela linha lateral. No meu caso, este exercício é ainda mais desafiante de fazer porquanto eu não vivo em Portugal. Na verdade eu nem sei se esta é efetivamente uma moda entre o falar dos portugueses ou se apenas mera impressão minha. É que a minha amostra tem apenas três pessoas. É certo que são apenas três gatos pingados, mas, conhecendo o perfil do todo, o suficiente para considerar ou desconfiar que têm alguma relevância estatística. A saber: um técnico interino que disse há tempos que a situação do seu time é o que é e acrescentou que os problemas têm a dimensão que têm; um locutor de rádio a quem ouvi dizer é como é a propósito de não sei o quê; e um amigo que me enviou uma mensagem de Whatsapp dizendo que estava tudo bem e que cito “isto da pandemia é uma m…, mas é o que é”, assumindo aqui a expressão um profundíssimo valor semântico e sociocultural de cariz indelevelmente português. Possui o escárnio no modo abrangente e conspurcado como define a pandemia e introduz uma constatação pertinente e aliterante que fomenta a reflexão e induz no receptor da mensagem margem para a sua própria interpretação da mesma. É o que é representa um idiomatismo como sinal dos tempos que atravessamos e que pela sua descarga retórica estará ao mesmo insigne nível das tiradas que se partilhavam dos futebolistas e jornalistas desportivos no tempo em que ainda se enviavam piadas e entreténs por e-mail. “Não jogaram bem nem mal, antes pelo contrário”; “fica na retina um cheiro a bom futebol”; “neste estádio ouve-se um silêncio ensurdecedor”; “prognósticos só no fim do jogo” são exemplos de frases que fazem parte do cancioneiro de idotismos portugueses com o bastante de idiota para se poderem fossilizar. Infelizmente esta moda ir-se-á desvanecer com o tempo e será substituída por outros acessórios causadores de coceira em sítios difíceis de coçar. Esperemos que a moda Outono/Inverno de acessórios parvo-linguísticos seja mais amiga dos nossos ouvidos internos. Talvez não, porque afinal a vida é como é, as pessoas são como são e tudo isto vale o que vale. Saúde! Um abraço!

Manuel Pires é professor de Português para estrangeiros e leciona na China

 

A preço de banana ou de maçã

As expressões idiomáticas sempre nos reservam momentos divertidos quando tratados em grupos de estudantes de diferentes nacionalidades. Alguns mal conseguem entender o significado daquelas frases cheias de histórias; outros possuem expressões equivalentes ou até mesmo com o mesmo sentido.

Certa vez, em uma classe de apenas três alunos de países diferentes: Austrália, Japão e Bélgica, foi possível comparar, mostrar as parecidas e, surpresa, saber que no outro lado do mundo, há uma expressão igual, isto é, com o mesmo sentido, mudando apenas a fruta.

A banana, segundo contam os historiadores, nos representa. Ela já foi usada para designar atraso. Recebemos o título de República das Bananas. Por todos os cantos deste país, sempre há bananeiras. Os europeus, assim que aqui chegaram perceberam que elas não eram plantadas e davam os saborosos frutos. Tornou-se conhecida no mundo, músicas foram compostas em sua homenagem e ela se tornou deliciosas sobremesas em restaurantes. Até mesmo o McDonald’s percebeu que ficar sem ela no cardápio não seria uma boa pedida.

Os imigrantes italianos também se impressionaram com a fartura de bananas quando aqui chegaram. Minha amiga sempre conta que seus avós, recém-chegados da Itália, ficaram impressionados quando viram homem carregando um cacho de bananas nas costas. Eles disseram: um cacho de bananas só para ele? É certo que o homem poderia estar levando para a família, mas ainda assim, era muito para os europeus, já que eles não tinham o cultivo desta fruta.

Atualmente vendemos cerca de 9 milhões de toneladas de bananas por ano. Mas  a Índia está na nossa frente  nesta corrida.

A verdade é que todos sabem o quão prática esta fruta é. Podemos levá-la na bolsa em sua embalagem natural, não precisa embrulhar. Além de gostosa, ela é ecológica.

Mas o que significa a expressão “a preço de banana”? Logo todos entendem que significa barato, pagar pouco pois tudo que tem em grande quantidade, o preço diminui.

Então, meu aluno belga riu e disse: “Nós temos a mesma expressão, mas é com maçã”.

Para quem já foi à Europa e saiu dos grandes centros, viu muitas plantações de maçãs. Nos supermercados, elas são as frutas mais baratas e com mais variedade. No Brasil, nem mesmo na Região Sul, encontramos tanta plantação de maçãs.

Neste mundo de contatos entre povos, hoje temos bananas e maçãs, mas a expressão idiomática “a preço de banana” é uma marca de nossa história, a preço de maçã, é outra história.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Também leciona espanhol e escreve neste espaço todos os sábados.

  • 13/04/2019