Manhãs de abril, tardes de maio, noites de junho

Nesta crônica, a autora se remete às belezas e sensações dos meses de abril, maio e junho propiciam. Um convite para a contemplar a natureza!

Nesta crônica, a autora se remete às belezas e sensações dos meses de abril, maio e junho propiciam. Um convite para a contemplar a natureza!

O verão longo e quente iluminou a vida, dourou os corpos. De tão intenso que foi, desbotou e envelheceu as cores. Foram vários meses de calor. Março chegou e o verão foi se despedindo juntamente com suas chuvas. Abril chegou. Ares outonais vão se revelando na brisa fresca que roça a pele e provoca arrepios como se fora um lembrete para olhar o céu azul e sentir o frescor das manhãs de abril. As belas manhãs de abril.

Em maio são as tardes que ganham vida. Elas são muito claras, com sol brilhante ao longo do dia, mas que se recolhe mais cedo ao entardecer. Paira um ar romantizado no ar. Um convite aos casamentos tão sonhados pelas noivas.

A noite é a estrela no mês de junho. É ela que agrega todos os eventos do mês. O maior espetáculo nas noites de junho está no céu. Ele é límpido e permite ver uma infinidade de estrelas e também o Cruzeiro do Sul que orientou tantos navegadores europeus em suas longas viagens. Nas noites de junho também brilham as fogueiras nas festas ao Santo Antônio, São João e São Pedro.

Houve um tempo em o campo tinha muitos habitantes e eles podiam contemplar todos os movimentos da natureza. Mas, a vida urbana muda os hábitos e as pessoas. Elas acordam cedo e correm para o trabalho. Entram e suas salas e não veem a beleza das manhãs de abril. Outros ficam confinados e suas salas, com os olhos fixos nas telas de computadores ou celulares e não veem as belas tardes de maio. Em muitas cidades, nem mesmo nas noites de junho é possível ver as estrelas porque a poluição criou uma cortina que impede os olhos de admirar sua beleza.

As estações existem, ainda que não sejam tão definidas em grande parte de territórios do lado de baixo do Equador. Os seres humanos precisam de roupas diferentes, dependendo da estação. O outono é o prenúncio de que eles precisarão de roupas mais quentes. Nos corpos dos animais ele se mostra na troca dos pelos. Já nas as aves são as penas e penugens  que se vestem de cores novas e cobrem seus corpos. Pena que muita gente deixou de apreciar as manhãs de abril, as tardes de maio e as noites de junho. Contudo, sempre há aqueles que contemplam as mudanças das estações e esperam os bons ventos que elas trazem.

Elza Gabaldi é professora de português há mais de 30 anos e nesse espaço compartilha suas ideias!

 

Nesta crônica, a autora se remete às belezas e sensações dos meses de abril, maio e junho propiciam. Um convite para a contemplar a natureza!

Caminhar é preciso

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Eram pouco mais de 16 horas. A tarde caminha para seu fim. A noite anterior foi longa porque o sono não veio. Rebelde, o Orfeu não quis comparecer e permitir o aconchego. No canto do quarto, os tênis pretos, como dois grandes olhos perguntam: e aí, vai ou não vai? Depois não reclame se não conseguir dormir. A advertência foi clara, não podia adiar a caminhada. Não importam as dores, a exaustão, a fadiga. O trajeto  é chegar ao parque.

Os pés, sempre doloridos e cansados, envoltos por meias, invadem aquelas covas escuras que agora fazem parte do corpo, fixados pelos cadarços.  Um após outro os passos percorrem as ruas. Nesta época, elas estão acanhadas, com pouco movimento devido à pandemia. O comércio também se recente, os clientes são poucos. São muitos os estabelecimentos fechados com placas de vende-se ou aluga-se. Outros estão abandonados e pichados. Um retrato triste de uma crise sem precedentes que gera também abandono.

Os passos precisam ser firmes e precisos, no mesmo ritmo para cumprir seu trajeto. Caminhar é preciso, parar não é preciso. Ah, Fernando, seja pessoa e compreenda: ir implica voltar. O lá é o ponto máximo a se chegar. Lá está ele, o parque.

Agora ele é aqui e os passos revelam novas situações. Os tons infindáveis de verdes das árvores, desde os mais claros aos mais escuros, brilhantes e opacos, enchem os olhos de beleza. As bicicletas, skates e corredores passam mais rápidos em contraste com os mais velhos que caminham lentamente, assim como os pais que diminuem o ritmo de seus passos para acompanhar os de suas pequenas e encantadoras crias.

No parque os passos seguem os caminhos mais tranquilos, aqueles com poucas pessoas, uma busca de tranquilidade e paz. E ali, naqueles locais menos freqüentados, há uma coletânea de cenas se revelando: casais de namorados, abraçados, deitados sobre um tecido qualquer, como se fora o colchão mais macio e confortável do mundo, ilusão criada pelo deleite do namoro e pelo fervilhar dos hormônios.

Os passos seguem e mais adiante outra cena reveladora: uma mulher jovem, morena, de cabelos pretos, ondulados e soltos posa para uma fotógrafa. O marido acompanha um pouco afastado, pois o momento é dela. No vestido longo e branco, ela exibe a barriga avantajada e o orgulho de agasalhar uma vida que cresce dentro e em breve fora daquela barriga. Um registro de um tempo de duas vidas em uma.

A tarde vai caminhando juntamente com cada passo e o trajeto já é o de volta. Mas ainda há muito para percorrer e ver. Pais,  com seus pequenos pimpolhos, levaram as iguarias de um piquenique, antigamente chamado de  convescote. As palavras também caminham e tomam novos rumos na vida.

Cruzar com bicicletas com gente miúda na garupa ou na dianteira leva ao riso por ver cabelinhos voando e a sensação de liberdade nos rostos dos transportados e de satisfação dos que se aventuram a carregá-los. Experiências únicas que serão contadas nos passos que a vida.

Os passos dos cachorros são pequenos e rápidos. Seus donos, ora tentam acompanhar no mesmo ritmo, ora tentam reter aqueles mais afoitos que tudo querem cheirar ou mijar para marcar território, mas vão todos se deliciando do paradoxo de quem passeia quem. Será o dono quem passeia o cachorro ou o cachorro que passeia com o dono? Direta ou indiretamente, todos passeiam.

Ainda falta um pouco para sair do parque e cada passo importa. Há casais que encontraram um banco e estão sentados conversando, talvez fazendo novos planos ou apenas apreciando aquele momento.

Os passos agora se aproximam da saída do parque. Os pés cansados e doloridos rumam para casa, recompensados pela experiência vivida. Um após outro, passo após outro, as ruas vão sendo deixadas para trás, com todos os movimentos que as envolvem.

Abrir a porta, tirar os tênis, colocá-los num lugar ventilado para uma nova caminhada faz parte do ritual. O que ficou desse caminhar é a certeza de que o parque é um lugar onde nascem muitos sonhos. Caminhar é preciso.

Elza Gabaldi é professora há mais de 30 anos e reflete nesse espaço sempre que pode.

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Tobias

A professora Elza Gabaldi escreve uma coluna sobre a vida e como gestos simples podem transformar a vida de um ser, além de trazer alegria!

A professora Elza Gabaldi escreve uma crônica sobre a vida e como gestos simples podem transformar um ser, além de trazer alegria!

Tobias vivia abandonado. Feio, sujo, magro, mal nutrido e perambulava pelas ruas. Comia o que encontrava jogado no chão, só bebia água da chuva ou aquela que escorre ao lado das calçadas. Cansado de vagar de um lugar a outro, resolveu se fixar no espaço aberto de um posto de gasolina situado numa esquina, um ponto comercial muito importante. Por ali passam muitos carros todos os dias. Às vezes, os carros são tantos que há filas para abastecer.

Os funcionários do posto, vendo aquele ser tão maltratado, resolveram cuidar dele: passaram a alimentá-lo. Afinal, sentir fome é um grande sofrimento e dói muito em qualquer um e, dividir comida é dividir vida.

Sempre que vou pegar estrada, abasteço no posto em que vive o Tobias. Os funcionários do posto, amáveis como sempre revisam o óleo, a água, calibram os pneus e lavam os vidros do meu carro.

Saí no domingo de manhã em destino ao interior para visitar minha irmã. Parei no posto para abastecer e seguir viagem. Curiosamente, não vi o Tobias por ali. Achei estranho.  Perguntei a um dos funcionários onde ele estava, pois eu não o via há alguns dias. O rapaz me respondeu que ele tinha ido ver os preços da concorrência. Rimos muito. E o funcionário acrescentou: ele é o gerente da parte de manhã; à tarde, o gerente é o Santos. Rimos muito outra vez.

O funcionário do posto terminou o trabalho, eu paguei minha conta e dei uma caixinha para ele. Ele guardou o dinheiro da caixinha numa caixa que funciona como um cofre. No início de cada mês, a soma alcançada é dividida por igual entre os funcionários. Um dinheirinho extra sempre ajuda. Uma pena não ter visto o Tobias naquele dia.

Passei outro dia pelo local e o vi alegre e fogoso. Ele finge não se importar com nada, mas  sabe tudo o que acontece ao seu redor. Já não é magro, nem gordo. Mantém a elegância. Seus pelos agora têm vida e ele também. De vez em quando ele resolve latir para um carro ou outro que passa por ali. Mas é só para fazer média. Ele não ataca ninguém. Precisa honrar a raça e por isso se expressa como cachorro que é dando uns latidos de vez em quando.

O Tobias teve sorte. Aqueles funcionários não são apenas bons para ele. São bons também para os clientes. Eles são prestativos, simpáticos, eficientes e trabalham duro todos os dias para ganhar a vida dignamente.

O Tobias continua por lá. Participa indiretamente de tudo, menos da caixinha. Desconhece o que é caixinha, mas contribui com ela quando se mostra tão bem cuidado.   Os funcionários  daquele posto de gasolina puseram fim àquela vida de cão que Tobias levava. Ele é um cão sortudo.

Elza Gabaldi é professora de português há mais de 30 anos e escreve crônica sobre a vida e tua que lhe vier à cabeça.

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Tantas máscaras

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de "máscaras", tão vistas nesses tempos!

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de “máscaras”, tão vistas nesses tempos!

E, de repente, em pleno século vinte e um, as máscaras estão na maioria dos rostos. São brancas, pretas, coloridas, estampadas, maiores e menores. Algumas conseguem ser até bonitas; outras parecem ter saído dos laboratórios da NASA.
O latim medieval registra a palavra máscara como masca. Passou para o italiano com maschera e significa espectro, pesadelo. Não há comprovação, mas dizem que em árabe, maskhara significa palhaço, bufão.

As máscaras fazem parte da história da humanidade. Na China, as máscaras eram usadas para afastar os maus espíritos. Na Grécia e Egito eram inseridas sobre o rosto dos falecidos, na crença da passagem para a vida eterna. Na Ásia, estão presentes tanto nos ritos espirituais como nas cerimônias de casamento.

Máscaras de Beijing
Máscaras de Beijing

Elas eram usadas nos teatros e representavam situações verdadeiras. Ainda permeia o universo da imaginação, uma busca coletiva para as dimensões abstratas, espirituais e invisíveis. Os rituais sagrados da África demonstram isso. Os indígenas norte-americanos as usavam nos momentos em que os seus entes queridos partiam desta vida. Os esquimós do Alaska acreditavam na face dupla de cada ser e assim elas eram feitas, com duas faces. Já os indígenas brasileiros portavam máscara simbolizando animais, pássaros e insetos.

Ao que tudo indica, no momento atual, as máscaras retornam, tomando seus lugares como foi com os povos antigos. Assim como nas tribos primitivas, em que os índios mais velhos as usavam em cerimônias de cura para expulsar entidades negativas, agora, pautada na ciência, pode ajudar a evitar o contágio do vírus que assola a humanidade.

E mostram-se soberbas nos rostos de todos os povos do mundo. Já não faz parte de ritos, mas de uma necessidade imposta pela realidade que, provavelmente, mudará muitas relações humanas estabelecidas no processo histórico.

Para além das máscaras concretas que vemos nos rostos das pessoas que encontramos nas ruas, há muitas outras, de variadas nuances se apresentando. A variação se dá principalmente nos discursos que são propalados todos os dias, todas as horas e que visam sempre interesses particulares.

Nos rostos de políticos, elas são travestidas de verdades, como se fossem uma representação teatral através das palavras ajuda, socorro, segurança, preservação da vida. No entanto, na prática, as palavras são transformadas em desmandos autoritários: prenderam mulheres, trabalhadores e até crianças sem que tenham cometido nenhum crime. O motivo alegado é “o não uso da máscara”.
Nas caras dos juízes elas se camuflam sob o nome liberdade. Liberdade cedida chefes do tráfico, quando deveriam deixá-los confinados e a políticos corruptos que assaltaram os cofres públicos e zombaram dos trabalhadores honrados. A máscara de justiça se estende até a estupradores que são liberados sob o argumento de que na prisão, o vírus pode ser fatal para eles. São descarados mascarados de representantes da lei e da ordem.

As máscaras são muitas. E, muitas vezes são tão bem elaboradas que conseguem enganar. Elas estão nas caras dos líderes que foram instituídos para governar nações, países, estados e municípios. Muitos se dizem infectados e se encastelam em suas boas casas. Mas pergunta fica: como foram contaminados se eles conheciam as regras? Usam a máscara da mentira de diferentes formas porque já não sabem quais são os verdadeiros princípios da cara humana.

No transcorrer dos anos e até séculos, também o mundo esteve escondido por trás de uma grande máscara. Ela escondia de muitos a verdadeira chaga que mata mais do que vírus: a desigualdade social. São milhões de pessoas que não têm água limpa para beber, muito menos para lavar as mãos. Praticamente metade da população mundial que mora em periferias, não possui saneamento básico. Suas casas são amontoados de paredes onde a privacidade de uma família inexiste. Sair de dentro delas é mais seguro do que permanecer ali.

Já não se pode mascarar a realidade dizendo que é preciso se esforçar mais para melhorar de vida. Seria o mesmo que acusar grande parte da população mundial de vagabunda. Uma máscara que precisa ser desmistificada.

O mundo pós-pandemia deixou cair muitas máscaras e exige uma nova face. Nela, as escolas não serão mais um lugar para as crianças irem matar a fome de comida, mas sim de conhecimento e desenvolvimento de seus talentos; os hospitais não serão mais depósitos de gente pelos corredores e seus profissionais terão formação e recursos para se manterem íntegros mental e fisicamente; os seres humanos terão condições básicas para sobreviver com dignidade.
Uma face com o nome de esperança travestida de mais justiça social.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Para ler suas outras colunas, clique aqui.

 

 

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de “máscaras”, tão vistas nesses tempos!