Um hiato entre a leitura e a interpretação virtual

Nesta coluna o escritor propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Nesta coluna o professor Saulo César propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Começo este artigo trazendo uma construção metafórica representada por um hiato (quase) imaginário entre a leitura e a interpretação em tempos de  globais. Essa provocação inicial apresenta um propósito: refletir entre as incertezas trazidas pela realidade de uma sociedade pandêmica e a necessidade de sobrevivência da Escola e de seus alunos.

Durante a suspensão das aulas presenciais, como parte da adoção de medidas restritivas pelos Governos comprometidos com a vida, exigiu-se  a adoção, adequação e aprimoramento de aulas remotas, tanto nas escolas privadas quanto nas públicas.

Esse novo contexto requereu em particular de professores e educadores em geral, mudanças  metodológicas no emprego de estratégias pedagógicas como por exemplo, no estudo da leitura nas aulas de Língua Portuguesa.

Se antes o livro impresso, em muitos casos, ainda exercia papel fundamental na interação leitor – texto, hoje, tem-se os textos digitais que passaram a substituí-lo dentro de uma lógica em que ler é construir o sentido a partir de uma percepção também baseada na virtualidade. Inclusive quando contextualizamos essa tendência ao mundo das pessoas cegas é possível identificar que elas estão na dianteira. Ou seja, com o aperfeiçoamento das ferramentas de acessibilidade ao longo dos últimos anos, destacando-se os software de voz, ATUALMENTE muito popularizados. Os alunos cegos há algum tempo, já leem, compreendem e interpretam materiais digitais por meio de sintetizadores instalados em seus próprios celulares; o que representa um ganho fantástico!

O desenvolvimento tecnológico a partir dos anos de 1990 do século XX, já vinha lançando novos desafios para o campo educacional. E com a aceleração dessa tendência que vivemos agora, (a suspensão de aulas presenciais entre outras atividades sociais), a imersão nessa realidade computacional, tornou-se praticamente  compulsória.

A sala de aula física se metamorfoseou em  espaço abstrato. É ali que as falas passam a acontecer, os materiais conteúdísticos começam a ser apresentados, as dúvidas são respondidas e os rostos, por vezes, ganham contornos humanizando-se por detrás das telas dos smartphones e seus afins. E, diante desse quadro, a Escola resiste ao seu aniquilamento como detentora do conhecimento; reinventa-se,  e no “olho desse furacão” o professor,  com  sua bagagem mais preciosa: o saber para formar e transformar vidas.

Fazendo referência a minha própria experiência como professor universitário é possível prever que ao final dessa batalha, a Escola sobreviverá (sem entrar no mérito da contabilização de mortos e feridos, literais ou não), quiçá no mesmo modelo que a conhecemos. Certamente continuará a exercer o seu papel de Instituição de Estado, responsável pela educação formal e transmissora de conhecimento.

Para isso se concretizar, no entanto, será necessário exigir da própria sociedade civil, por meio de seus representantes eleitos, que as escolas da rede pública garantidoras constitucionais do acesso à educação para todos,  tenham a sua importância reconhecida e seus profissionais valorizados, recebendo todo o suporte necessário para o desempenho adequado de suas  funções.

Além disso, só haverá de fato uma transição democrática para essa “Nova Escola” se os seus alunos forem incluídos socialmente no mundo onde vivem, ofertando-se uma distribuição menos perversa de renda que lhe dê dignidade para se reconhecerem respeitados em suas necessidades mais básicas.

Só assim a Escola continuará a exercer o seu papel fundamental de facilitadora para uma aprendizagem de qualidade, formadora de cidadãos e cidadãs, na construção de um país  melhor e mais humano, sobretudo em tempos de pandemia.

Prof. Saulo César Paulino e Silva escreve nesse espaço todo mês, para ler suas outras colunas, clique aqui.

 

Nesta coluna o professor Saulo César propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

2021: Os desafios educacionais na pandemia

O professor Saulo César começa o ano de 2021 pensando sobre desafios educacionais na pandemia, algo fundamental na área da educação.

O professor Saulo César começa o ano de 2021 pensando sobre desafios educacionais na pandemia, algo fundamental na área da educação.

A atual conjuntura social e econômica em nosso país exige de nós, profissionais da educação, um replanejamento, que vai muito além dos desafios em sala de aula e dos conteúdos programáticos específicos das disciplinas. Isso se mostra ainda mais grave quando se insere nesse contexto, os alunos com necessidades educacionais especiais, e em particular os cegos.

É de conhecimento de muitos, seja pela prática docente, ou por meio de informações veiculadas pelos diversos meios de comunicação, que entre os anos de 2003 e 2016, o Brasil avançou muito na conquista dos Direitos da Pessoa com Deficiência, avanço este refletido por meio de ações afirmativas e capitaneadas por um Ministério da Educação, que tinha como uma de suas principais metas a ideia de uma escola para (e com) todos. A título de exemplificação, gostaria de citar a campanha “Toda criança é única”, implementada pelo MEC, que se organizava por uma série de vídeos, em que alunos do ensino fundamental, de escolas públicas, com diferentes deficiências, eram apresentados em contexto de inclusão em sala de aula. ¹

Durante esse período, floresceram propostas de Educação Inclusiva, com novas diretrizes curriculares; além de cuidado na criação e manutenção de cursos para formação de professores para trabalharem em cenários de diversidade. O país viveu, naquele período, uma espécie de “apogeu educacional”, em que a meta era zerar o índice de analfabetismo com nenhuma criança fora da escola.

É preciso observar, no entanto, que isso só foi possível porque houve um conjunto de ações, no campo social, com a construção de redes de proteção como Bolsa Família, por exemplo, que permitiu a inversão de uma lógica perversa, que vigorou no Brasil, oriunda de suas raízes escravocratas, separando a sociedade em um tipo de “castas”. Portanto, antes de se ter todas as crianças em sala de aula, seria necessário proporcionar a elas e as suas famílias, a possibilidade de sobrevivência, levando-se comida para suas mesas, ao menos, três vezes por dia.

Durante essa “onda social”, tive a oportunidade de desenvolver e concluir minha pesquisa de doutorado, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cujo objetivo foi identificar como o aluno universitário cego constrói as suas identidades sociais, durante as atividades de leitura. Essa experiência acadêmica me trouxe ganhos profissionais e pessoais muito valiosos, pois aprendi a “ver” com outros olhos o mundo e a vida, desenvolvendo, assim, instrumental necessário para o planejamento de atividades pedagógicas com os alunos cegos em sala de aula, na área de Língua Portuguesa. Esse perceber o outro e suas necessidades contribuiu, e muito, para a troca de experiências com meus alunos universitários de Letras e Pedagogia, no ensino de leitura e as estratégias para as atividades com alunos cegos.

Mais recentemente, passei a investigar, em minha pesquisa de pós-doutorado, na Universidade de São Paulo, como essa construção identitária ocorreria no momento em que esse aluno interpreta textos, empregando modalizadores. Como sugestão de leitura, deixarei em nota de rodapé um artigo, que publiquei sobre o tema. ²

Durante este primeiro semestre, minha proposta é compartilhar com vocês algumas dessas reflexões, incluindo a indicação de outras leituras, filmes e vídeos a respeito desse assunto.

Neste início de 2021, já sabemos que os desafios serão imensos, pois, como é de conhecimento público, passamos por um momento histórico único, em que a humanidade enfrenta uma ameaça a sua sobrevivência por fatores de saúde ainda desconhecidos, gerando medo e insegurança nos mais diversos países, ao redor do planeta.

Somando-se a essa realidade de pandemia, observamos estarrecidos, em nosso Brasil, a desconstrução pelo próprio Ministério da Educação desse projeto de inclusão, com o desmonte das redes sociais protetivas, tão necessárias para superarmos barreiras e desenvolvermos novos caminhos.

Caberá, portanto, a nós professores e outros atores envolvidos com os mais diferentes segmentos sociais e educacionais, estarmos atentos aos discursos duvidosos, geradores de sentimentos caóticos, opostos ao fraterno e inclusivo, que colocam a pesquisa e a ciência como sofismas de uma suposta “teoria conspiratória”.

Para finalizar, gostaria de dar as boas vindas a todos e todas, parabenizando, em especial, os Organizadores deste espaço virtual, que nos incentivam a alimentar o diálogo com o outro, traçando, dessa forma, estratégias de resistência à barbárie e ao obscurantismo.

Um fraterno abraço.

Prof. Dr. Saulo César Paulino e Silva

¹ Para acessar, clique em https://www.youtube.com/watch?v=LV1Xi0LMev8

² Para acessar o texto, clique em http://www.sodebras.com.br/edicoes/N139.pdf (pag. 85-88)

A linguagem da pandemia

A professora Elza Gabaldi fala sobre a pandemia e seus reflexos na linguagem em nosso dia-a-dia que nunca mais será igual!

Segundo Victor Hugo, as palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade. O que seria mais leve do que um vírus? O que seria mais difícil de controlar do que uma pandemia?

Na escola, ao estudarmos os prefixos gregos, aprendemos que o prefixo epi significa propagação. Então, epidemia é a propagação de uma doença contagiosa em uma região. Aprendemos também que o prefixo pan significa sobre, por inteiro, todos. Não foi complicado saber como o vírus se espalhou pelo mundo todo e vivemos uma pandemia.

Vivenciar as palavras nos ajuda a entendê-las e usá-las. E para melhor as representarmos, damos novos significados à elas. A quarentena é um laboratório para muitas criações. Está na natureza humana a força criativa.  A linguagem é de longe uma força criativa extraordinária.

Tudo começou quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) alterou o nome Coronavirus para Covid 19. Ainda que muitos desconheçam seu significado (Corona Virus Disease), rapidamente tomaram posse dele e criaram outros. Um deles é covidiota. Esta palavra se refere àquelas pessoas que não respeitam o isolamento ou tomam medidas estranhas como estocar alimentos e papel higiênico. Mais recentemente, temos os anti-máscaras e os máscaras no queixo.

A influência da língua inglesa não quis ficar por baixo. Mostrou-se forte durante a pandemia. Quem pôde trabalhar em casa fez home Office. Quem perdeu emprego trabalhou nos serviços domésticos. E não foi nem é nada fácil para muita gente. Quando todos estão dentro de casa, o trabalho é sem fim. Depois do primeiro mês de pandemia, sair para procurar trabalho não adiantava, estava tudo fechado. A hashtag (#) fique casa bombardeava e ainda bombardeia a todos.

Mas como surgiram palavras em inglês, ficou mais complicado. Existem pessoas que não entendem esse uso num país de língua portuguesa. Então,  elas saiam, iam para as ruas. Aí não teve jeito. Algumas autoridades adotaram o Lock down, o que piorou tudo porque as pessoas não sabiam que estas duas palavras significavam fechamento total.

O entendimento foi forçado com polícia descendo o sarrafo naqueles que não sabiam o que era lock down. Governadores ameaçaram localizar as pessoas rastreando seus celulares, mandaram prender mulheres indefesas e também trabalhadores simples que saiam em busca de seu ganha-pão. Os juízes, fizeram o oposto: mandaram soltar os maiores corruptos do país, ladrões e maridos agressores, colocando a sociedade em maior perigo do que a própria pandemia. Uma vergonha nacional. Não houve tradução, mas poderia ser “A national shame”?

O povo, na sua criatividade, simplificou o que os meios de comunicação importaram. Adotou para o famigerado lock down o nome “tranca-ruas”. Ficou bem mais fácil de entender. Inclusive, apelidou como tranca-ruas alguns governadores que ameaçaram prender e multar quem saísse. A palavra tranca-ruas serviu para reavivar na memória das pessoas a herança africana presente em nosso idioma e em nossa alma.

Com o tempo a população entendeu que não se tratava apenas de um surto. Da epidemia que se iniciou na China, vimos a sua transformação em pandemia. E com o prefixo pan, também aprendemos que as autoridades, os meios de comunicação e as redes sociais fizeram um pandemônio com a palavra vírus, tão leve que veio pelo ar sem que olhos nus pudessem ver.

A população, em meio ao jogo de interesses que se transformou a pandemia adotou a panacéia. Era melhor assim, já que a desinformação vinha das próprias autoridades responsáveis que se diziam combatê-la. Mas, o pior medo aconteceu com uma nova palavra que apareceu, o “Covidão”, uma praga da corrupção que imita outra, mais antiga, o “Mensalão”.  Estas palavras são piores do que a pandemia porque tem uma vida muito longeva por estas bandas. Elas matam ao longo do tempo milhares e milhares de pessoas, principalmente os mais pobres.

E assim, nas tragédias e nas comédias vão se criando novas palavras. Porém, algumas que não foram criadas agora e é de domínio de todos não podem ser esquecidas: a justiça e a esperança. A população espera que tudo isso não acabe em pizza e que as autoridades não lavem as mãos como Pilatos fez.

As pessoas aprenderam a lavar as mãos, literalmente e buscaram se proteger de acordo com suas condições. Aprenderam novas palavras e o poder delas. E por isso mesmo estão tristes e decepcionadas porque descobriram que as palavras com prefixo grego epi e pan, ainda que tão antigas são melhores do que covidão, que rima com ladrão.

Elza Gabaldi é professora de português e espanhol com 30 anos de experiência. Escreve nesse espaço sempre que quer!

O eu e o outro em uma sociedade isolada

Nessa coluna o professor Saulo César reflete um pouco sobre as pessoas cegas e os novos tempos em meio dessa pandemia que afeta a todos.

Nessa coluna o professor Saulo César reflete um pouco sobre as pessoas cegas e os novos tempos em meio dessa pandemia que afeta a todos.

Prezados leitores,

Em tempos de Pandemia, e incertezas, há premência de um reinventar(se), que aflora a todo instante, em meio aos desafios que colocam em xeque a existência humana, possibilitando-nos trabalhar as nossas práticas cotidianas, desde as mais imediatas, chegando-se àquelas, nem tanto.

O atual cenário, que se descortina para as sociedades modernas e, em particular, a brasileira, exige um isolamento necessário e fundamental para se reorganizar o pensar, o compreender e por que não o reviver?! Nesses momentos, em que a virtualidade desenha outras formas de convívio e interação, torna-se possível identificarmos os nossos “eus”, e suas possibilidades do vir a ser, conforme afirma Hall, 2003¹.

Esse é um momento único em que o conhecimento adquirido ao longo dos anos de pesquisas, relacionadas com a construção de sentido e a percepção de identidades sociais,  nos proporciona interpretar o nosso entorno a partir de algumas linhas teóricas, que vão se consolidando no praticar das formas de convívio em ambientes digitais.

Nossos estudos desenvolvidos com as pessoas cegas (ou com grave comprometimento da visão) objetivaram investigar como essa construção identitária ocorreria  a partir de eventos audiodescritos. Os resultados nos apresentaram uma forma particular de conceber a vida, por meio da experiência daqueles que, sem as referências visuais, constroem diariamente a sua interpretação de mundo, por meio de outros sentidos como a audição e a percepção tátil-cinestésica.

De certa forma, aprendemos muito com esse universo, pois, o aparente isolamento em que vivem, é resultado do estereótipo social, cristalizado em nossa cultura, permeado pela ignorância e pelo preconceito. Nosso convívio nessa comunidade mostrou que, ao contrário, os cegos são muito dinâmicos e comunicativos.

Forçosamente, nesses tempos em que a morte assombra o sono e o sonho, nós, videntes², tivemos de reinventar possibilidades de linguagem, ao mesmo tempo, em que nos voltamos para nós mesmos. Seria uma espécie de autorreflexão, em que a tela da tecnologia realiza “bakhtinianamente” a mediação necessária entre o eu e o outro.

Não seria exagero afirmar que a teoria, nesta situação vivida, nos fornece os instrumentos indispensáveis para compreender os acontecimentos, que nos cercam de forma mais profunda, mesmo que estejamos confinados nos espaços delimitados de nossas casas.

Portanto é indispensável “ver com olhos livres”, parafraseando Oswald de Andrade, o novo amanhã para entendê-lo em toda a sua complexidade.

Afinal, ninguém melhor do que a pessoa cega para nos ensinar a enxergar com os olhos da alma.

(1) STUART, Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: RJ, 2005, 10ª. Ed.

(2) Vidente: termo empregado para se referir as pessoas não cegas.

Professor Saulo César escreve mensalmente nesse espaço. Para acessar suas outras colunas, clique aqui.

 

Nessa coluna o professor Saulo César reflete um pouco sobre as pessoas cegas e os novos tempos em meio dessa pandemia que afeta a todos.

Tantas máscaras

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de "máscaras", tão vistas nesses tempos!

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de “máscaras”, tão vistas nesses tempos!

E, de repente, em pleno século vinte e um, as máscaras estão na maioria dos rostos. São brancas, pretas, coloridas, estampadas, maiores e menores. Algumas conseguem ser até bonitas; outras parecem ter saído dos laboratórios da NASA.
O latim medieval registra a palavra máscara como masca. Passou para o italiano com maschera e significa espectro, pesadelo. Não há comprovação, mas dizem que em árabe, maskhara significa palhaço, bufão.

As máscaras fazem parte da história da humanidade. Na China, as máscaras eram usadas para afastar os maus espíritos. Na Grécia e Egito eram inseridas sobre o rosto dos falecidos, na crença da passagem para a vida eterna. Na Ásia, estão presentes tanto nos ritos espirituais como nas cerimônias de casamento.

Máscaras de Beijing
Máscaras de Beijing

Elas eram usadas nos teatros e representavam situações verdadeiras. Ainda permeia o universo da imaginação, uma busca coletiva para as dimensões abstratas, espirituais e invisíveis. Os rituais sagrados da África demonstram isso. Os indígenas norte-americanos as usavam nos momentos em que os seus entes queridos partiam desta vida. Os esquimós do Alaska acreditavam na face dupla de cada ser e assim elas eram feitas, com duas faces. Já os indígenas brasileiros portavam máscara simbolizando animais, pássaros e insetos.

Ao que tudo indica, no momento atual, as máscaras retornam, tomando seus lugares como foi com os povos antigos. Assim como nas tribos primitivas, em que os índios mais velhos as usavam em cerimônias de cura para expulsar entidades negativas, agora, pautada na ciência, pode ajudar a evitar o contágio do vírus que assola a humanidade.

E mostram-se soberbas nos rostos de todos os povos do mundo. Já não faz parte de ritos, mas de uma necessidade imposta pela realidade que, provavelmente, mudará muitas relações humanas estabelecidas no processo histórico.

Para além das máscaras concretas que vemos nos rostos das pessoas que encontramos nas ruas, há muitas outras, de variadas nuances se apresentando. A variação se dá principalmente nos discursos que são propalados todos os dias, todas as horas e que visam sempre interesses particulares.

Nos rostos de políticos, elas são travestidas de verdades, como se fossem uma representação teatral através das palavras ajuda, socorro, segurança, preservação da vida. No entanto, na prática, as palavras são transformadas em desmandos autoritários: prenderam mulheres, trabalhadores e até crianças sem que tenham cometido nenhum crime. O motivo alegado é “o não uso da máscara”.
Nas caras dos juízes elas se camuflam sob o nome liberdade. Liberdade cedida chefes do tráfico, quando deveriam deixá-los confinados e a políticos corruptos que assaltaram os cofres públicos e zombaram dos trabalhadores honrados. A máscara de justiça se estende até a estupradores que são liberados sob o argumento de que na prisão, o vírus pode ser fatal para eles. São descarados mascarados de representantes da lei e da ordem.

As máscaras são muitas. E, muitas vezes são tão bem elaboradas que conseguem enganar. Elas estão nas caras dos líderes que foram instituídos para governar nações, países, estados e municípios. Muitos se dizem infectados e se encastelam em suas boas casas. Mas pergunta fica: como foram contaminados se eles conheciam as regras? Usam a máscara da mentira de diferentes formas porque já não sabem quais são os verdadeiros princípios da cara humana.

No transcorrer dos anos e até séculos, também o mundo esteve escondido por trás de uma grande máscara. Ela escondia de muitos a verdadeira chaga que mata mais do que vírus: a desigualdade social. São milhões de pessoas que não têm água limpa para beber, muito menos para lavar as mãos. Praticamente metade da população mundial que mora em periferias, não possui saneamento básico. Suas casas são amontoados de paredes onde a privacidade de uma família inexiste. Sair de dentro delas é mais seguro do que permanecer ali.

Já não se pode mascarar a realidade dizendo que é preciso se esforçar mais para melhorar de vida. Seria o mesmo que acusar grande parte da população mundial de vagabunda. Uma máscara que precisa ser desmistificada.

O mundo pós-pandemia deixou cair muitas máscaras e exige uma nova face. Nela, as escolas não serão mais um lugar para as crianças irem matar a fome de comida, mas sim de conhecimento e desenvolvimento de seus talentos; os hospitais não serão mais depósitos de gente pelos corredores e seus profissionais terão formação e recursos para se manterem íntegros mental e fisicamente; os seres humanos terão condições básicas para sobreviver com dignidade.
Uma face com o nome de esperança travestida de mais justiça social.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Para ler suas outras colunas, clique aqui.

 

 

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de “máscaras”, tão vistas nesses tempos!

Paráfrase com corona

Paráfrase com coronaMinha cara amiga me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Com tal vírus que agora apareceu
Tudo ficou restrito
Só nos restam as redes sociais
Que estão repletas de fake news

Aqui na Terra já não jogam futebol
Não tem mais samba, nem chorinho
Nem sertanejos ou rock’n’ roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta na política e na condução
Daquilo que deveria ser obrigação
Daqueles que foram eleitos
Para resolver a situação

No entanto, muitos querem se dar bem
E alegam que é para o bem do povão
E a gente vai levando, sem saber
Ignorando quem de fato pode ter razão
A ordem é ficar dentro de casa
Sair não pode não
Ficar na rua ou na praça
É ameaçado de prisão

Minha cara amiga eu não pretendo provocar
Mas peço orientação
O que acontece de fato ninguém sabe
Há todo tipo de alegação
Que o vírus mata muito
Que é conspiração
De um país distante
Que não teve precaução
Não deu comida para os mais pobres
Que deram um jeitão
De cobra a morcego, tudo vira alimentação
As noticias na TV causam muita tensão
Praticamente afirmam
Que você irá direto pro caixão

Nem mesmo a OMS
Sabe dar verdadeira informação
E nós, o povo, só vemos vaidades
Aparecer na televisão
Dos que se dizem donos da razão
Deixaram de fazer hospitais e agora
Posam com preocupação
Ninguém pode nem jogar futebol
E para nós mulheres
Isso é complicação
Pois os homens ficam perdidos
Sem saber o que farão
Sem a sua predileta distração
Alguns batem panela na janela
Mas em suas panelas há feijão
Outros, no entanto
Não têm sequer mais pão
Autoridades libertam bandidos da prisão
Enquanto o pobre cidadão
Se quiser trabalhar, não deixam não
Estou achando que logo logo
Ninguém segura este rojão

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Que a gente vai se isolando
Obedecendo sem usar muito a razão
Só se ferrando nesta confusão
O governo diz que vai liberar mais de bilhão
Mas já sabemos que no caminho
Eles desaparecerão
Nem chegará perto do povão
Porque vai ter eleição

Minha cara amiga eu quis até sair para relaxar
Mas não há lugar não
Somente farmácias, supermercados, padarias
Outros estabelecimentos não
Eu ando aflita vendo o caos se instalar
A OMS não vai conseguir solucionar
Os governantes vão ter sempre o que alegar
E a gente vai se lascar.

Eu preciso te dizer que a coisa aqui tá preta
Vai faltar arrecadação
Pra bancar este Estado pesadão.

Estamos engolindo muitos sapos
Que vem da televisão
É a mesma notícia toda hora
Você irá para o caixão
Mas o Whatsapp não escapa não

E a gente vai se odiando, se ofendendo sem razão
Isso foi gerado no passado
Porque ninguém mais acredita em nenhuma instituição
Minha cara amiga eu bem queria te dizer
Que vale a pena o risco,
Mas não posso entender
Como chegamos a isso

Falam em conspiração,
Demora na informação
E agora ninguém segura este rojão.
Ninguém pode jogar futebol, ir ao parquinho, a lugar nenhum
É uma verdadeira prisão
Somente depois que a pandemia acabar
Mas olha, vai demorar
Não há previsão

Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Não sei se irei para o caixão

Adorei nossa amizade
Com carinho e atenção
Abraços e beijos virtuais
Até um dia então.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos.