Prezados Colegas e Leitores, estou muito feliz em poder partilhar os estudos que venho desenvolvendo sobre leitura, em Língua Portuguesa, com deficientes visuais e a construção de sentido. Primeiramente, quero agradecer aos Idealizadores, deste espaço virtual, pela oportunidade.
A ideia de compartilhar essas experiências vem ao encontro da necessidade manifestada por muitos educadores, particularmente os professores de Língua Portuguesa, de (re) conhecerem quais as necessidades de alunos cegos, ou com deficiência visual, no momento de organizarem e planejarem atividades de leitura em sala de aula. Isso, no entanto, não exclui o público mais amplo, também interessado no tema.
Inicialmente, farei uma breve introdução ao mundo da pessoa com deficiência visual, estabelecendo as diferenças conceituais entre a cegueira e a deficiência visual, apresentando as principais causas. Posteriormente, algumas tecnologias assistivas, desenvolvidas para atenderem às necessidades educacionais especiais desse público específico, como a audiodescrição, e outras informações que se fizerem necessárias ao longo dessa nossa conversa.
Outro ponto fundamental está relacionado com o conceito de leitura e sua abordagem nessa perspectiva temática, pois ler, como sabemos, vai muito além da mera decodificação, sendo resultado de um processo cognitivo e também social. Nesse sentido, faremos uma breve apresentação teórica, na perspectiva da Linguística Aplicada, sem, contudo, adotar um discurso hermético, que caracteriza os artigos acadêmicos.
É também importante levar em consideração as pesquisas recentes a respeito da Língua Portuguesa, que priorizam um olhar mais abrangente sobre o seu uso em diferentes contextos socioculturais. Isso tudo somado a sugestões de leitura, além de vídeos tematizados.
A interação entre esta Coluna e os seus Leitores é fundamental para o esclarecimento de possíveis dúvidas, além da proposição de novas discussões a partir de sugestões encaminhadas para o e-mail: saulosilva@usp.br
Sejam tod(a)s bem vindo(a)s!
Cego ou deficiente visual?
A ausência de visão é uma condição que, ao longo da história da humanidade, sempre chamou a atenção nas diferentes sociedades. Essa ausência é marcada, na maioria das vezes, por estereótipos relacionados, por exemplo, ao uso, pelo cego, de “poderes excepcionais” que lhe dariam condições perceptivas extrasensoriais. Essa condição, durante a Idade Média, custou a vida de muitas pessoas, pois, não raro, eram acusados de bruxaria e levados à fogueira!
Longe de ser uma história que ficou esquecida no passado, o cego ainda sofre preconceito de diversos matizes, que se refletem nas variadas esferas sociais, incluindo-se a escola. Esse preconceito é manifestado por expressões jocosas, piadas, dentre outras formas depreciativas, que se perpetuam cristalizadas em nossa cultura. E esse é um ponto importante para começarmos a aprofundar nossas reflexões a respeito da realidade de alunos cegos, suas identidades [1] e as práticas pedagógicas de leitura em sala de aula.
O estigma da condição de fracassado está associado à construção de uma imagem pautada na suposta ideia de incompetência para a execução de determinadas tarefas, levando-se em consideração que a ausência da visão, realmente limita os indivíduos para executarem algumas atividades, mas não os incapacita. Para se abstrair esse conceito, é necessário entender que a percepção do mundo pelos sentidos tátil-cinestésico e auditivos é condição sine qua non.
Nessa perspectiva, poder-se-á questionar, informalmente, o seguinte:
Como o senso comum entende a cegueira e como é possível conceber que o cego “leia” com os dedos e com os “ouvidos”? Longe de querer apresentar fórmulas prontas, que esgotem o assunto, proporemos um repensar a leitura, como ação cognitiva, social e como se relaciona com a percepção de mundo do aluno deficiente visual ou cego.
O termo DEFICIENTE VISUAL deverá ser empregado sempre que se quiser englobar todas as categorias de pessoas que apresentam algum tipo de limitação visual severa ou total. Se pensarmos nesse termo como uma espécie de guarda-chuvas, que abriga outras subdefinições, talvez fique mais fácil para o leitor entender. Usaremos o esquema a seguir para ilustrar essa concepção.
Resumidamente, entende-se a baixa visão como uma limitação visual severa que proporciona ao deficiente visual executar determinadas tarefas com o auxílio de alguma visão residual. Por outro lado, a cegueira adquirida é aquela limitação visual em que não há auxílio de qualquer visão residual e é causada por diferentes tipos de traumas. Por exemplo, um acidente de carro, em que a pessoa tem o cristalino perfurado, certamente terá um trauma permanente, que resultará em cegueiraadquirida . O terceiro caso, cegueira congênita, poderá ser causada por inúmeras enfermidades como, por exemplo, catarata infantil, glaucoma congênito, retinose pigmentar, dentre outras.
Outro fator importante, no contexto da leitura com alunos deficientes visuais, é o fato de alguns indivíduos apresentarem memória visual e outros não. No entanto, esse fator será desenvolvido em outra oportunidade, quando falaremos especificamente sobre cognição, linguagem e interpretação de textos em Língua Portuguesa.
Antes do término dessa breve introdução ao tema, gostaria de deixar indicado um filme, muito interessante, que conta a história de Mirco Balleri. Um garoto italiano, vítima de acidente, que enfrentará os desafios da cegueira adquirida, particularmente em uma escola para meninos cegos. Também, gostaria de deixar indicada a leitura do texto: “ver e não ver”, do neurologista Oliver Sacks, página 73, do livro “Um antropólogo em marte”. Em linhas gerais, trata-se da história de Virgil, uma pessoa que sofre cegueira por causa de uma catarata severa. Após procedimento cirúrgico, os efeitos em sua visão são inusitados e proporcionam algumas reflexões importantes. Vale a pena ler! Esse artigo inspirou o filme “À primeira vista” com direção de Irwin Winkler, do ano de 1999.
Espero que esse nosso primeiro encontro seja o início de uma conversação saudável, em que juntos, possamos construir um diálogo acadêmico e fraternamente humano.
Abaixo, deixo indicados dois links para acessarem o filme: “Vermelho como o céu” e o texto “Ver e não ver”.
Um abraço a todos e todas.
Filmes indicado
“Vermelho como o céu”, acesse aqui.
“Ver e não ver – Um antropólogo em marte”, acesse aqui.
[1] Sobre identidade do aluno (universitário) cego, sugiro a leitura do artigo, A PERCEPÇÃO DE IDENTIDADES SOCIAIS DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO, de nossa autoria, e publicado na Revista Inclusiones, publicada por La Universidad de Los Lagos, Chile. Acesse aqui.
Muito interessante conhecer sobre esse tema!