Produção textual com alunos deficientes visuais a partir das noções de coesão, coerência e intencionalidade
A sala de aula é um complexo mosaico de diferentes realidades. Ela se apresenta como se fosse uma orquestra cuja responsabilidade e intencionalidade de regê-la está sob égide do maestro a quem caberá harmonizar os instrumentos, mantendo-os coesos e coerentes com a intencionalidade de executar com primor partitura apresentada.
Levando-se em conta essa metáfora, e transpondo-a para a realidade educacional, em particular das escolas públicas brasileiras, descortinam-se inúmeros desafios para os profissionais da educação.
No ensino de Língua Portuguesa, principalmente nos anos finais do ensino médio, as aulas de redação têm se mostrado desafiadoras e, não raro, apresentando resultados aquém do esperado com alunos videntes. Agora, imaginemos essa realidade aplicada aos alunos com deficiência visual!
A primeira questão que se nos apresenta é: por que os alunos, de maneira geral, apresentam baixo desempenho na construção e organização textual? Uma resposta definitiva e objetiva seria uma “aventura” perigosa que poderia resvalar na superficialidade de uma visão sem cientificidade ou critérios metodológicos.
Por isso proporemos algumas reflexões, levando-se em conta 03 elementos importantes dos fundamentados na Linguística de Texto: a coesão, a coerência e a intencionalidade.
Para iniciarmos, primeiramente, vamos retomar a metáfora da orquestra, onde os alunos seriam os músicos, a produção textual deles os instrumentos e o professor, o maestro responsável pela harmonização e execução da peça musical.
Partindo dessa perspectiva, iremos agora, contextualizar esse “músico” e seu “instrumento” para a realidade do aluno cego, cujas características são bem distintas do aluno vidente, ou seja, aquele sujeito que não apresenta comprometimento em sua acuidade visual.
Para se compreender o universo da pessoa com deficiência visual, torna-se necessário, primeiramente, despir-se de todo e qualquer preconceito que se tenha adquirido ao longo da vida. Os estereótipos de incompletude, comiseração, incompetência, dentre outros permeiam a discriminação, ainda que isso ocorra de maneira involuntária.
Basicamente, as limitações visuais que acometem grande parte da população deficiente visual estão baseadas em três grandes classificações que iremos, resumidamente, apresentar a seguir.
Cegueira Congênita: a pessoa nasce sem a visão ou poderá perdê-la antes dos 05 anos de idade por motivos de enfermidades degenerativas ou de má formação do sistema visual. Isso ocasiona a não organização da chamada “memória visual”, importante para o desenvolvimento cognitivo.
Cegueira Adquirida (ou tardia): a pessoa é acometida da perda visual total por algum trauma que causa alguma lesão do globo ocular, ou em algum outro órgão da visão, após os 05 anos de idade. Nesse período, o indivíduo já tem desenvolvida a memória visual que contribuirá para a compreensão do mundo e sua interpretação.
Baixa Visão: a pessoa apresenta diferentes graus de comprometimento visual, mas ainda utilizará algum resíduo (visual) para a execução de tarefas, como por exemplo, a leitura de textos com auxílio de ampliadores de tela e outros acessórios que poderão auxiliá-la. Nestes casos, a memória visual também estará preservada.
Acreditamos que o conhecimento (e reconhecimento) dessas características em seus alunos poderá auxiliar o professor a planejar estratégias pedagógicas que contemplem as necessidades específicas de cada caso. Por isso, independentemente da atuação desse professor ser ou não em sala de recursos, os conhecimentos básicos sobre a deficiência visual se tornam fundamentais em sua formação. Em nosso próximo artigo, pretendemos trazer e apresentar alguma dessas estratégias.
Após essa breve introdução, gostaríamos de propor uma reflexão de como trabalhar a produção textual com alunos deficientes visuais, tomando por base a coesão, a coerência e a intencionalidade. Na teoria da Linguística Aplicada, os três elementos citados são imbricados, porém singulares.
Para se refletir sobre essa perspectiva, torna-se necessário rever os conceitos de texto seja no âmbito oral ou escrito. Levando-se em consideração que a textualidade vai muito além de seus aspectos gramaticais e sintáticos, faz-se necessário concebê-la como uma unidade significativa de comunicação que está relacionada ao contexto onde é produzida, assim como aos interlocutores envolvidos nesse processo.
A produção do texto escrito poderá ser trabalhada pelo professor, levando-se em consideração os três elementos descritos acima, considerando a partir da linha teórica da Linguística de Texto, que, em seu conjunto, poderá auxiliar os alunos deficientes visuais na redação de bons textos a partir de seu conhecimento de mundo.
Para que essa estratégia apresente resultados satisfatórios, será necessário em um primeiro momento, apresentar aos alunos os conceitos de coesão, coerência e intencionalidade de forma lúdica e bem simplificada, somando-se ao (re)conhecimento das necessidades específicas de cada aluno com essas características. Isso será fundamental para que a “orquestra” não desafine.
O conceito de coesão é definido como a organização dos elementos gramaticais do texto, tornando-se responsável por sua “ampliação”. Em outras palavras: a expansão necessária para atender a intencionalidade de seu produtor. Essa expansão está relacionada com a estrutura microestrutural do texto.
Por outro lado, a coerência está relacionada com a macroestrutura do texto, ou seja, com os sentidos globais do enunciado, tornando-se responsável pela construção de sentido. Portanto, ao se considerar um texto como “uma boa produção”, estaremos levando em consideração os aspectos macro e microestrutural, isto é, textos que apresentem coesão e coerência. No entanto, nessa perspectiva, poderemos também encontrar textos coesos e sem coerência, ou ainda, textos coerentes e sem coesão.
Para se falar a respeito de intencionalidade é necessário levar em consideração aspectos importantes como o contexto onde o texto foi produzido, assim como a ideologia subjacente à materialidade linguística expressa na organização do enunciado. De acordo com Koch e Elias (2006)¹, qualquer produção textual, oral ou escrita, apresenta uma intenção, ou seja, uma motivação que levará o autor a determinado posicionamento. Portanto, nessa ótica, a ideia de “neutralidade” perde significado, pois de acordo com a teoria da Linguística Textual, não há textos neutros. Toda e qualquer produção está imbuída de uma intencionalidade, consciente ou não.
Resumidamente: a intencionalidade organiza as informações textuais a partir de um planejamento prévio descrito da seguinte forma: 1. O que falar; 2. Para quem falar; 3. O quanto falar; 4. De que maneira falar.
Após o reconhecimento do universo e as necessidades específicas do aluno com deficiência visual, assim como a importância da coesão, coerência e intencionalidade, no momento de se redigir um texto, acreditamos que o professor estará instrumentalizado para planejar, desenvolver e executar atividades pedagógicas eficazes nas aulas de Língua Portuguesa.
Dessa forma, acreditamos que o “maestro” estará aptopara a execução de uma obra, pautada na eficácia textual em que os músicos e os instrumentos se harmonizam na construção de um cenário propício para o aprendizado.
Como foi comentado anteriormente, em nosso próximo artigo traremos algumas sugestões de atividades, que poderão ser trabalhadas com alunos deficientes visuais durante as aulas de produção textual a partir das discussões apresentadas neste texto.
Agradeço pela atenção de todos vocês. Se acharem o texto interessante, podem compartilhar ou comentar no espaço desta coluna.
Até uma próxima oportunidade.
- KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda M. Ler e Escrever – estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.
Prof. Saulo César Paulino e Silva escreve nesse espaço todo mês, para ler suas outras colunas, clique aqui.