E o Senhor fez todas as coisas, visíveis e as invisíveis. Dentre as visíveis encontram-se as moscas que dão asco, os mosquitos silenciosos...

Pequenas Criaturas voadoras

E o Senhor fez todas as coisas, as visíveis e as invisíveis. Dentre as visíveis encontram-se as moscas que dão asco, os mosquitos silenciosos que causam uma coceira danada quando picam, como os borrachudos de Ilha Bela e os perturbadores do sono que sugam nosso sangue, os pernilongos.

Eles são vampiros, mas ninguém ensina isso para as crianças. Os adultos sabem, eles aparecem nos quartos e salas das casas, sobrevoam em círculos como um drone mapeando o território, isto é localizando a vítima e o melhor local para o ataque.

Malvado como ninguém, gosta de torturar principalmente quem tem sono leve. Os insones sofrem mais nas sessões de tortura do que aqueles que têm um sono pesado, que precisam que usar o despertador várias vezes ou que precisam ser chacoalhados para sair daquele momento em que, como se fosse uma vingança contra o mundo, tudo fica paralisado e o direito de sonhar é liberado.

Os insones são pessoas muito organizadas e preparam-se para o sono como se fossem a um evento: vestem sua roupa de dormir, rezam, deitam e ficam quietinhos para que o Orfeu venha e o envolva em seus braços, proporcionando-lhes os mais belos sonhos.

Mas, de repente, não mais que de repente um som infernal cancela todo o ritual: à meia-luz é possível ver aquela pequena criatura voando em círculos, agora muito detalhadamente posicionada na altura da cabeça de sua caça.

E os olhos dos insones, vermelhos e ressecados de ódio sabem que o golpe fatal está por vir e que a luta será muito difícil, pois aquele ser pequeno, produzindo aquele som terrível desce na velocidade da luz e finca aquele canudo sugador de sangue na testa de sua vítima, bem onde ela não consegue ver nada.

A defesa da vítima é automática e muito rápida: um forte tapa na testa. Mas de nada adianta porque o monstro já voou. Safou-se.

É preciso voltar a dormir. A preparação para o sono é retomada. Depois de muito custo, eis que o sono começa a chegar. Que bom, é preciso estar descansado para trabalhar bem, estar disposto, amável e não cometer erros.

E, nas piscadas lentas que cobrem a retina há a certeza de que logo o mundo dos sonhos tomará conta de tudo.

No entanto, o som terrível volta a acontecer. Em choque, um arrepio de raiva percorre o corpo do pretenso dormido e seus olhos se estatelam. Agora é uma questão de vida ou morte. A caça da se torna muito perigosa porque o estalar dos tapas acordam pessoas da família e eles, incomodados em seu descanso, dão razão ao monstro alegando que é só um pernilongo, que é melhor deixar para lá e parar de incomodar a família inteira com estas bobagens…

É preciso respirar fundo, fazer novos planos para combater aquele ser que suga nosso sangue como uma draga, que chega na calada da noite batendo as quatro asas, fazendo mais barulho do que um helicóptero.

O dia amanhece e o o resultado do ataque do vampiro está na cara e na testa: aquele furinho vermelho e coçante.

O dia passa. Vez ou outra a lembrança do bicho vem, mas é preciso manter o foco. Assim, no fim da tarde, ao voltar para casa vem o sobressalto: e se ele voltar?

O veneno, sim o veneno é a solução. Ah que maravilha, a arma está nos supermercados. É carinha, mas vale a pena pois o spray é mais veloz e mais preciso que os tapas que se perdem no ar, deixando a vítima humilhada diante do perigo.

Aguardar a noite chegar requer certo equilíbrio emocional. Fazer o ritual de tomar banho, trocar de roupa, rezar e dormir precisa ser o mesmo para não dar na vista que há um golpe poderoso a ser aplicado em breve. Fingir que espera Orfeu é o primeiro passo. O inseticida de jato forte tem de estar bem próximo para quando o mostro de quatro assas barulhentas aparecer, deixar o spray na mão e, quando o monstro vampiresco de quatro asas surgir .

Será lindo ver a queda da pequena criatura voadora, isto é, do mostro. Às vezes, o seres humanos, quando pensam e agem certinho, prestam um grande serviço à humanidade, isto é, aos insones.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Também leciona espanhol e escreve neste espaço sempre que pode. Para ler suas outras colunas, clique aqui.

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