O mundo na minha língua

As comemorações do dia da Língua Portuguesa, no dia 5 de maio, trouxeram muitas questões que são pouco debatidas fora dos ambientes escolares e acadêmicos: a importância de saber se expressar adequadamente, conhecer mais profundamente a gramática, ter alegria de se comunicar bem e expressar os sentimentos mais profundos e sinceros por meio dela, conhecer de fato a importância que ela exerce no dia-a-dia. Lembrei-me de um fato ocorrido comigo quando estava viajando.

Você pensa que o mundo é inglês? A frase proferida pelo informante na estação de trem de Zurick, na Suíça, pegou-me de surpresa. A dúvida surgiu quando eu não encontrava o nome da cidade Munique em inglês. Meu objetivo era chegar a Munique de trem e de lá voltar ao Brasil. Fiquei receosa de comprar uma passagem para outro lugar, haja vista tudo estar escrito em alemão. Procure por München, ele me disse.

Fazer o quê? Obediente aceitei a recomendação, mas depois percebi que, para o que eu queria fazer, o ônibus seria melhor opção, além de mais barato. Queria ver as paisagens em câmara mais lenta, da janela do ônibus. Decisão acertada. Mas a frase ficou em minha cabeça. Por que ele pensou que que o mundo era em inglês? Certamente por ser a língua universal de comunicação. Ele estava enganado.

É sempre mais gratificante percorrer os lugares por terra. O contato mais próximo com a paisagem nos enriquece sempre. Dá aquela sensação de que estamos conhecendo as pessoas e a geografia. Da janela do ônibus, a paisagem se apresenta, mostrando suas casas, cidades, plantas, animais e vegetação com suas cores e seus movimentos próprios.

Durante a viagem, muitas cidades e locais interessantes iam aparecendo e o motorista do ônibus, “gentilmente”, explicava tudo em alemão, mesmo sabendo que havia muitos estrangeiros ali. A voz dele era mansa e pausada. E minha raiva não. Foi uma discriminação para com todos os estrangeiros que estavam no ônibus. e não eram poucos. Ele nos excluiu de saber um pouco mais sobre aqueles lugares tão belos de sua terra.

Atravessar uma fronteira de ônibus eu só havia feito uma vez, quando fui para Foz do Iguaçu e de lá passei para o lado argentino. Mas atravessar a fronteira da Suíça para a Alemanha, são outros quinhentos.  São alguns euros e uma “politzia” que entra no ônibus de forma muito severa perguntando o que estamos fazendo lá, quanto tempo vamos ficar, etc. As perguntas são em inglês, mas com o sotaque alemão bem carregado. As minhas respostas idem, com este sotaque brasileiro bem carregado.

Após a “politzia” nos liberar, o ônibus rumou seu curso e entrou numa balsa. Eu não estava acreditando. Desconhecia aquela parte do trajeto. Que beleza de lago. De um lado a Suíça, do outro a Alemanha. Conforme a balsa se afastava do território suíço se aproximava da Alemanha, algo mudava. Foi muito prazeroso ver a bandeira da União Europeia balançando ao vento.

No percurso para Munique, havia muitas placas indicando nomes conhecidos pelos tristes fatos históricos. Auschiwitz foi a placa que mais me chamou a atenção. A seta indicava à direita. Nós seguimos em frete.

Munique é uma cidade plana. Foi destruída durante a guerra e reconstruída depois.  As pessoas são educadas, dão informações em inglês como se fosse em alemão. São sorridentes e simpáticos.  As bicicletas enchem as calçadas no espaço reservados a elas. Muita gente indo e vindo do trabalho. Nos fins de semana tudo fecha, inclusive a cozinha do hotel, coisa difícil de uma brasileira, moradora de São Paulo entender.

Mas uma coisa eu entendi. Aquele homem que me disse, quase em tom de acusação que “eu pensava que o mundo é em inglês” estava enganado. Meu mundo é em português e aqui faço meus registros nesta língua dona de mim. Agradeço a ele por ter me dito o que nunca esperei ouvir e entender que é por esta língua que consigo me comunicar e me sentir participante do mundo. Vielen Dank, Sir.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Também leciona espanhol e escreve neste espaço..

 

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