O ditado é antigo: “Os olhos são as janelas da alma”. são eles que revelam verdades indizíveis, tristezas, alegrias e tantas outras expressões que não foram qualificadas, contudo expressadas pelos e nos olhos.
Os olhos dele, além da vivacidade indescritível, eram azuis e brilhantes. Os cílios longos chamavam a atenção: “que cílios grandes!” Tanto diziam que um dia, valeu-se da tesoura e os cortou.
A surpresa da mãe foi grande. E ele confirmou: “cortei porque eram muito grandes”. Ocorria que, por ter um estrabismo no olho esquerdo, ninguém acrescentava o adjetivo bonitos, apenas grandes.
Sofrendo os preconceitos por ser estrábico, enfrentou as dores que o bullying. Assisti sua dor revelada em momentos de ira por não compreender tamanha maldade.
Tornou-se um jovem que se destacava nas atividades da escola que tardiamente frequentava à noite. Seu trabalho braçal, de tão desgastante e pesado, provocava câimbras tão fortes que o derrubava no chão, na terra onde colhia café.
Conseguiu uma cirurgia e corrigiu aquele desvio no olhar. Agora, todos notavam seus olhos grandes, azuis, brilhantes e de cílios longos e tão lindos.
Namorou, casou, teve dois filhos: um menino e uma menina. Vê-los crescer lhe proporcionaram emoções até então adormecidas. Levar e buscar da escola era uma de suas tarefas. E, entre cadernos, lições de casa e livros, os corpos das duas crianças iam se transformando, quase que acompanhando as séries escolares.
Um dia comentou: “Não posso ouvir a música ‘O Caderno’, de Toquinho. Fico com um negócio aqui dentro”, passando a mão no peito.
“Sou eu que vou ser seu amigo,
Vou lhe dar abrigo, se você quiser.
Quando surgirem seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel.”
E assim, no feroz carrossel da vida ele seguiu. Ele, sabendo que a vida pode ser feroz em determinados momentos. Os primeiros raios de mulher podem ser ferozes…
Foi assim que meus olhos viram aqueles olhos azuis e cristalinos como o céu em dia de sol se revelar no carrossel da vida. Um carrossel que rodou, rodou, rodou e o levou montado em seu cavalo aqueles olhos azuis, grandes e brilhantes que nunca mais verei.
Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Também leciona espanhol e escreve neste espaço aos sábados.