A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

Gostaria de iniciar esse nosso artigo, relembrando uma das máximas freirianas, em que o autor dizia: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra[1]”, motivando-nos, em forma de paráfrase, o título desta nossa conversa. Levando-se em consideração o atual contexto, em que as sombras da Idade Média pairam sobre nossas cabeças, ressurgindo das masmorras de Senhores Feudais, torna-se fundamental o resgate das ideias (e ideais) de importantes intelectuais de nossa sociedade brasileira para continuarmos a acreditar que temos uma história e somos uma Nação!

Embora a organização do parágrafo anterior se construa a partir de uma realidade metafórica, não perde a sua importância e relevância, particularmente para nós, Professores e Educadores de uma maneira geral.

Pode-se dizer que o trabalho de sala de aula (ou fora dela),onde o conhecimento se torna a mola propulsora de uma transformação necessária, avançamos pouco e regredimos muito nesses últimos dois anos, no quesito Educação entre tantos outros temas importantes. Somando-se a isso, estamos vivenciando um cenário de horror em que o negacionismo está levando milhares de nossos compatriotas à morte, dilacerando mentes e corações. Nessa perspectiva, me debruço em propor uma reflexão com vocês, caros leitores e leitoras.

E as nossas escolas, nesse contexto? Como ficam?

A volta às aulas surge como um dilema espinhoso tanto para as autoridades, quanto para professores, alunos e seus familiares. Diante desse quadro, desenha-se uma situação ainda mais complexa, quando nos questionamos a respeito de alunos com alguma deficiência, que necessitam de um suporte especializado, além do ensino regular.

Sendo assim, e de acordo com a concepção do nosso Educador Emérito, é possível inferir, que a percepção do presente, ou seja, a leitura do “texto-mundo”, de hoje, poderá fornecer ingredientes para o surgimento de uma geração de alunos (com deficiência ou não) esvaziada do significado do termo escola, onde conhecimento e vivência são essenciais para a formação do ser humano e consequentemente da vida em sociedade.

Retomando a provocação inicial, exposta no título deste texto, pode-se afirmar que o ato de ler vai muito além do reconhecimento do código, ou seja, o nascimento de leitor, prescinde da “morte” do autor, segundo o pensador francês Roland Barthes, quando  defendia uma espécie de pós-estruturalismo desconstrutor em “O Rumor da Língua”. [2]

Portanto a construção de sentidos, durante o ato de ler, é resultante das experiências de mundo desse leitor, em que a vivência cultural e social contribuem para o enriquecimento de seu repertório, dinamizado cognitivamente em suas memórias de longo prazo. Nesse sentido, é possível inferir que alunos cegos, por exemplo, provavelmente, apresentarão uma vivência diferenciada de alunos videntes, que contam com a visão para compreenderem e interpretarem o mundo a partir, e principalmente, de suas referências visuais.

Este breve texto não tem a pretensão de apontar respostas, mas suscitar questionamentos, que  levem a  pensar como esses alunos cegos estariam interpretando a realidade presente! Para ilustrar essa ideia, sabe-se, por exemplo, que a rotina sintática, dos móveis, em uma sala de aula, é fundamental para proporcionar mobilidade e segurança  do eu-sujeito cego. Diante disso, pergunta-se: de que maneira o atual quadro social, em que todas as rotinas foram alteradas, estariam repercutindo em suas vidas e influenciando  suas percepções?

Dessa forma, voltamos ao cerne de nossa preocupação mais urgente: a reabertura das escolas e a volta as aulas presenciais parecem colocar em xeque duas perspectivas, que se antagonizam momentaneamente: a preservação da vida ou a retomada dos estudos.

Sem querer oferecer respostas prontas, penso que para haver escola é preciso, primeiramente, que as pessoas existam, pois a inversão dessa premissa leva a um sofisma macabro.

Agradeço, mais uma vez, a participação de todos vocês e se puderem compartilhar suas opiniões, a partir dessas reflexões, poderemos construir, juntos, um diálogo interativo muito promissor.

Obrigado.

 

[1] FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: cortêz, 1988.

[2] BARTHES, Roland. O rumor da língua. Trad.: Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.

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