Livros didáticos digitais de português para estrangeiros

Nessa coluna a professora Luhema Ueti fala sobre livros digitais de português para estrangeiros, especialmente importantes para aulas online.

Com as aulas remotas e on-line, muitos professores começaram a procurar por livros digitais. Eu, particularmente, acho um pouco estranho e contraditório, durante uma aula online, pedir para o aluno pegar o livro físico dele e escrever, depois pedir uma foto para corrigir, por exemplo. Além disso, muitas editoras não têm representantes comerciais em diferentes partes do mundo e os livros não são tão acessíveis assim.

Por isso, algumas editoras estão adaptando seus materiais para que tenhamos livros digitais, principalmente usando leitores de livros, como o Kindle. Todos os livros que vi são uma espécie de versão digital, estática e sem complementos ou conexão com vídeos, áudios e outros recursos tecnológico-digitais; ou, até mesmo, espaço para os alunos escreverem respostas.

Apesar disso, acredito que é muito melhor poder ver o livro ao compartilhar a tela (aluno/professor); o aluno poder ter seu exemplar de livro para poder estudar, revisar ou pesquisar sobre determinado conteúdo e, até mesmo, anotar as respostas, em alguns casos.

Assim, fiz um levantamento dos livros disponíveis atualmente no mercado, como podem conferir abaixo.

Infelizmente, a produção e editoração de livros de PFOL está muito atrás se comparado com a produção e editoração de livros de inglês ou espanhol. Para essas línguas, há um bom tempo é possível encontrar livros com áudios e vídeos integrados; além de contar com aplicativos para atividades como jogos.

Minha esperança é que um dia isso tudo possa ser possível também para nossa tão amada língua portuguesa.

As indicações são:

– Bons Negócios – escrito por Denise Santos e Gláucia V. Silva, Editora Disal

Bons negócios: Português do Brasil para o mundo do trabalho

Brasileirinho: português para crianças e pré-adolescentes – escrito por Claudenir Gonçalves, Editora EPU

Estação Brasil – escrito por Ana Cecília Cossi Bizon e Elizabeth Fontão do Patrocínio, Editora Átomo

– Falar, Ler e Escrever Português: um curso para estrangeiros – escrito por Emma Eberlein O. F. Lima  e Samira A. Lunes, Editora EPU

Inovação 1 e 2 – escrito por Maria Angela de Melo e Eliane Roncolatto, Editora Santillana Uruguay

Novo Avenida Brasil 1, 2 e 3 – escrito por Cristián González Bergweiler,  Emma Eberlein O. F. Lima. Lutz Rohrmann, Samira Abirad Iunes e Tokiko Ishihara, Editora EPU

Samba: curso de língua portuguesa para estrangeiros – escrito por Andrea Ferraz e Isabel M. Pinheiro, Editora Grupo Autêntica

Plural: Português Pluricêntrico

Não estou indicando nenhum livro, apenas apresentando o que há no mercado na atualidade, assim o professor pode escolher dentre essas opções, o livro que mais se adequa ao perfil do seu aluno.

Se tiverem outras sugestões, por favor, entrem em contato conosco para incluirmos!

Por que usar tecnologias de ensino nas aulas de PFOL?

Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação devem ser usadas no ensino línguas? A professora Luhema Ueti responde com exemplos práticos!

Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação devem ser usadas no ensino línguas? A professora Luhema Ueti responde com exemplos práticos!

Com a pandemia de Covid-19 e o ERE (Ensino Remoto Emergencial), todos tiveram que migrar de um dia para o outro para as aulas virtuais/online. Num primeiro momento, o uso de muitas TDICs (tecnologias digitais de informação e comunicação) assustou os professores, mas agora esse uso virou algo habitual.

Todo mundo deseja ansiosamente que tudo isso passe para que as aulas presenciais voltem a ser feitas, algumas até já voltaram. E o que vamos fazer com todo o conhecimento de TDICs que construímos? Voltaremos para a aula livro-lousa ou continuaremos utilizando as TDICs mesmo nas aulas presenciais?

Para que as aulas virtuais ocorram, é necessário o uso de TDICs,  espera-se que depois, com a volta das aulas presenciais, não se utilize apenas algumas, mas continue-se a utilizar outras. O melhor das aulas presenciais é a interação com os alunos e professores e as TDICs podem auxiliar nessa interação. Veja algumas vantagens do uso das TDICs nas aulas de línguas em geral:

  • Aumentar a motivação dos alunos através de atividades divertidas, em grupo e interativas;
  • Aumentar o interesse em aprender com atividades dinâmicas e situações reais;
  • Colocar o aluno em contato com a língua-alvo através do contato com as TDICs;
  • Praticar as quatro habilidades ao realizar atividades utilizando as TDICs;
  • Usar as TDICs como tecnologias para o aprendizado e não só como tecnologias de informação e comunicação.

Há muitos outros benefícios em continuar incluindo as TDICs nas aulas, mesmo que elas sejam presenciais. As TDICs podem ajudar na elaboração de atividades dinâmicas e divertidas como em jogos e passatempos. Elas podem ajudar professores a trabalharem com metodologias ativas,e também, trazer a realidade dos alunos para dentro da sala de aula. Não é mais necessário proibir o uso do smartphone durante a aula. É possível incluir o uso dele para a realização de atividades e tarefas na língua-alvo.

As TDICs sempre estiveram presentes nas aulas de línguas. Quem se lembra de usar fitas cassetes ou CDs para ouvir ou assistir a algum vídeo na língua em que estava estudando/ensinando? Agora, é só ir ao Youtube e encontrará uma infinidade de vídeos e músicas. As tecnologias estão apenas dando lugar a novas e, a cada dia, temos outras mais que podem nos ajudar a desenvolver diferentes habilidades.

Pensando nas aulas de PFOL, o que pode ser feito com algumas TDICs?

  • Utilizar os Documentos do Google para elaborar um texto colaborativo que pode ser a criação de uma história ou a de um dicionário da turma;
  • Utilizar o WhatsApp para criar diálogos com trocas de mensagens entre dois alunos;
  • Os alunos podem produzir um vídeo sobre determinado conteúdo;
  • Os alunos podem gravar um podcast sobre um determinado conteúdo.

Essas são algumas das possíveis formas de utilizar as TDICs tanto nas aulas virtuais quanto nas presenciais.

Quais outros modos de utilizar as TDICs nas aulas de PFOL que você imaginou?

A professora Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva organizou dois materiais com uma gama enorme de ferramentas e sugestões de atividades para utilizar as TDICs em aulas de língua. Se quiser conhecer novas ferramentas para acrescentar em suas aulas virtuais ou presenciais, dê uma olhada nos livros.

Acesse os arquivos aqui:

https://www.dropbox.com/s/5soe0qiny6953me/MAO_NA_MASSA.pdf?dl=0%20

https://www2.ufmg.br/prograd/content/download/29222/195666/file/M2.pdf

 

A professora Luhema Ueti é mestre em Língua Portuguesa e contribui com este site sempre que pode!

Um hiato entre a leitura e a interpretação virtual

Nesta coluna o escritor propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Nesta coluna o professor Saulo César propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Começo este artigo trazendo uma construção metafórica representada por um hiato (quase) imaginário entre a leitura e a interpretação em tempos de  globais. Essa provocação inicial apresenta um propósito: refletir entre as incertezas trazidas pela realidade de uma sociedade pandêmica e a necessidade de sobrevivência da Escola e de seus alunos.

Durante a suspensão das aulas presenciais, como parte da adoção de medidas restritivas pelos Governos comprometidos com a vida, exigiu-se  a adoção, adequação e aprimoramento de aulas remotas, tanto nas escolas privadas quanto nas públicas.

Esse novo contexto requereu em particular de professores e educadores em geral, mudanças  metodológicas no emprego de estratégias pedagógicas como por exemplo, no estudo da leitura nas aulas de Língua Portuguesa.

Se antes o livro impresso, em muitos casos, ainda exercia papel fundamental na interação leitor – texto, hoje, tem-se os textos digitais que passaram a substituí-lo dentro de uma lógica em que ler é construir o sentido a partir de uma percepção também baseada na virtualidade. Inclusive quando contextualizamos essa tendência ao mundo das pessoas cegas é possível identificar que elas estão na dianteira. Ou seja, com o aperfeiçoamento das ferramentas de acessibilidade ao longo dos últimos anos, destacando-se os software de voz, ATUALMENTE muito popularizados. Os alunos cegos há algum tempo, já leem, compreendem e interpretam materiais digitais por meio de sintetizadores instalados em seus próprios celulares; o que representa um ganho fantástico!

O desenvolvimento tecnológico a partir dos anos de 1990 do século XX, já vinha lançando novos desafios para o campo educacional. E com a aceleração dessa tendência que vivemos agora, (a suspensão de aulas presenciais entre outras atividades sociais), a imersão nessa realidade computacional, tornou-se praticamente  compulsória.

A sala de aula física se metamorfoseou em  espaço abstrato. É ali que as falas passam a acontecer, os materiais conteúdísticos começam a ser apresentados, as dúvidas são respondidas e os rostos, por vezes, ganham contornos humanizando-se por detrás das telas dos smartphones e seus afins. E, diante desse quadro, a Escola resiste ao seu aniquilamento como detentora do conhecimento; reinventa-se,  e no “olho desse furacão” o professor,  com  sua bagagem mais preciosa: o saber para formar e transformar vidas.

Fazendo referência a minha própria experiência como professor universitário é possível prever que ao final dessa batalha, a Escola sobreviverá (sem entrar no mérito da contabilização de mortos e feridos, literais ou não), quiçá no mesmo modelo que a conhecemos. Certamente continuará a exercer o seu papel de Instituição de Estado, responsável pela educação formal e transmissora de conhecimento.

Para isso se concretizar, no entanto, será necessário exigir da própria sociedade civil, por meio de seus representantes eleitos, que as escolas da rede pública garantidoras constitucionais do acesso à educação para todos,  tenham a sua importância reconhecida e seus profissionais valorizados, recebendo todo o suporte necessário para o desempenho adequado de suas  funções.

Além disso, só haverá de fato uma transição democrática para essa “Nova Escola” se os seus alunos forem incluídos socialmente no mundo onde vivem, ofertando-se uma distribuição menos perversa de renda que lhe dê dignidade para se reconhecerem respeitados em suas necessidades mais básicas.

Só assim a Escola continuará a exercer o seu papel fundamental de facilitadora para uma aprendizagem de qualidade, formadora de cidadãos e cidadãs, na construção de um país  melhor e mais humano, sobretudo em tempos de pandemia.

Prof. Saulo César Paulino e Silva escreve nesse espaço todo mês, para ler suas outras colunas, clique aqui.

 

Nesta coluna o professor Saulo César propõe uma reflexão sobre as incertezas geradas na pandemia e a sobrevivência da escola.

Manhãs de abril, tardes de maio, noites de junho

Nesta crônica, a autora se remete às belezas e sensações dos meses de abril, maio e junho propiciam. Um convite para a contemplar a natureza!

Nesta crônica, a autora se remete às belezas e sensações dos meses de abril, maio e junho propiciam. Um convite para a contemplar a natureza!

O verão longo e quente iluminou a vida, dourou os corpos. De tão intenso que foi, desbotou e envelheceu as cores. Foram vários meses de calor. Março chegou e o verão foi se despedindo juntamente com suas chuvas. Abril chegou. Ares outonais vão se revelando na brisa fresca que roça a pele e provoca arrepios como se fora um lembrete para olhar o céu azul e sentir o frescor das manhãs de abril. As belas manhãs de abril.

Em maio são as tardes que ganham vida. Elas são muito claras, com sol brilhante ao longo do dia, mas que se recolhe mais cedo ao entardecer. Paira um ar romantizado no ar. Um convite aos casamentos tão sonhados pelas noivas.

A noite é a estrela no mês de junho. É ela que agrega todos os eventos do mês. O maior espetáculo nas noites de junho está no céu. Ele é límpido e permite ver uma infinidade de estrelas e também o Cruzeiro do Sul que orientou tantos navegadores europeus em suas longas viagens. Nas noites de junho também brilham as fogueiras nas festas ao Santo Antônio, São João e São Pedro.

Houve um tempo em o campo tinha muitos habitantes e eles podiam contemplar todos os movimentos da natureza. Mas, a vida urbana muda os hábitos e as pessoas. Elas acordam cedo e correm para o trabalho. Entram e suas salas e não veem a beleza das manhãs de abril. Outros ficam confinados e suas salas, com os olhos fixos nas telas de computadores ou celulares e não veem as belas tardes de maio. Em muitas cidades, nem mesmo nas noites de junho é possível ver as estrelas porque a poluição criou uma cortina que impede os olhos de admirar sua beleza.

As estações existem, ainda que não sejam tão definidas em grande parte de territórios do lado de baixo do Equador. Os seres humanos precisam de roupas diferentes, dependendo da estação. O outono é o prenúncio de que eles precisarão de roupas mais quentes. Nos corpos dos animais ele se mostra na troca dos pelos. Já nas as aves são as penas e penugens  que se vestem de cores novas e cobrem seus corpos. Pena que muita gente deixou de apreciar as manhãs de abril, as tardes de maio e as noites de junho. Contudo, sempre há aqueles que contemplam as mudanças das estações e esperam os bons ventos que elas trazem.

Elza Gabaldi é professora de português há mais de 30 anos e nesse espaço compartilha suas ideias!

 

Nesta crônica, a autora se remete às belezas e sensações dos meses de abril, maio e junho propiciam. Um convite para a contemplar a natureza!

Pequenos dicionários: memorização de vocabulário

A professora traz sobre a construção de pequenos dicionários e como pode ajudar na memorização de palavras e ampliação do vocabulário

A professora Elza Gabaldi traz uma dica sobre pequenos dicionários e como pode ajudar na memorização de palavras e vocabulário.

Foi-se o tempo em que os estudantes carregavam pesados dicionários de papel para a sala de aula. Agora ele está no celular ou no tablet. Apesar de sua grande importância, ele passou a ser desvalorizado depois que o tradutor entrou no caminho. A tecnologia tem ajudado muito, não há dúvida, mas será que consultar o tradutor a toda hora ajuda no aprendizado de uma língua?  Provavelmente sim. Recorrer ao tradutor a todo momento é suficiente? Provavelmente não.

Num mundo onde tudo parece estar pronto, em que num simples toque em uma tela se pode encontrar o que se quiser, parece que o dicionário já não satisfaz a expectativa do estudante. Ele deseja saber mais do que o significado da palavra. Ele quer frases, parágrafos e até textos inteiros traduzidos. Entretanto, no processo de aprendizagem de uma língua, fica claro que não há equivalência entre a facilidade que o tradutor proporciona e o aprendizado esperado.

O simples ato de jogar uma palavra, frases ou parágrafos no tradutor e imediatamente entender o significado pode propiciar bem-estar e dar a sensação de que houve a apreensão da palavra. Contudo, na prática, verifica-se que aquela informação que chegou tão rápido, rápido também se vai, já que o estudante se depara com a mesma palavra na aula seguinte ou em uma situação nova e não se recorda mais dela. Então, porque não alterar um pouco este fazer?

Não há saída fácil. Negar os recursos tecnológicos e as facilidades proporcionadas por eles não ajuda em nada. Ao contrário, são eles que amparam, ampliam a capacidade criativa, facilitam o trabalho, tornando-os tão próximos e práticos tanto para alunos como para professores.

Todavia, saber utilizar recursos tecnológicos não é garantia de aprendizado e sim de informação rápida.  Aprender uma língua requer mais do que conhecer o significado de uma palavra ou frase. Aprender requer internalização das relações que as palavras estabelecem entre si. É preciso atribuir-lhes sentido.  E neste quesito, até mesmo os algorítimos se atrapalham.

Então, que fazer com tantas opções disponíveis na internet? Como ensinar além do que a parafernália tecnológica oferece? Um dos recursos que sempre vale a pena recorrer está numa prática antiga:  construir um pequeno dicionário referente um tema específico, relacionado ao tema tratado em aula.

Com três perguntas básicas, é possível construir um pequeno dicionário e oferecer mais do que simples traduções ou informações de significados:

  1. “O que é?”           2. “Como é?”           3. “Para que serve?”

Estas perguntas também podem ser respondidas pelos tradutores encontrados nos aparelhos eletrônicos, mas nunca será respondida da mesma maneira no cérebro humano. O cérebro requer um tempo para fixar a nova informação. Por isso, produzir pequenos dicionários diários resulta na melhor memorização das palavras e ampliação do vocabulário.

Ao produzir o passo-a-passo de um pequeno dicionário, os resultados na apreensão do que foi estudado é bem maior devido ser um processo mais lento. Sendo mais lento, ele propicia a reflexão, entendimento e memorização das informações, transformando-as em conhecimento.

Construir pequenos dicionários pode dar a impressão de estar fazendo o que já foi feito, de repetir o que já está pronto na internet. Contudo, o que se está propiciando com este fazer é uma relação mais demorada, de um fazer que não se vale apenas uma tela, já que na escrita, outros relações se estabelecem, incluindo a atenção. Dessa forma, o estudante elimina a dependência do tradutor e acredita mais em si mesmo, em sua memória.

Eliminando a dependência entre o usuário e o aparato eletrônico, ele buscará em sua memória o que se propôs a aprender. Assim, ele altera o processo de recorrer a uma memória externa e passa a usar a interna, a sua memória. E a memória humana tem uma bateria bem mais longa do que as encontradas nos aparelhos eletrônicos, além de o acompanhar por qualquer parte do mundo, estando ou não conectado à internet.

Elza Gabaldi é professora de português há mais de 30 anos e mestre, escreve nesse espaço sempre que pode!

 

 

 

A professora Elza Gabaldi traz uma dica sobre pequenos dicionários e como pode ajudar na memorização de palavras e vocabulário.

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

A leitura do mundo precede a leitura das palavras na construção de uma realidade possível?

Gostaria de iniciar esse nosso artigo, relembrando uma das máximas freirianas, em que o autor dizia: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra[1]”, motivando-nos, em forma de paráfrase, o título desta nossa conversa. Levando-se em consideração o atual contexto, em que as sombras da Idade Média pairam sobre nossas cabeças, ressurgindo das masmorras de Senhores Feudais, torna-se fundamental o resgate das ideias (e ideais) de importantes intelectuais de nossa sociedade brasileira para continuarmos a acreditar que temos uma história e somos uma Nação!

Embora a organização do parágrafo anterior se construa a partir de uma realidade metafórica, não perde a sua importância e relevância, particularmente para nós, Professores e Educadores de uma maneira geral.

Pode-se dizer que o trabalho de sala de aula (ou fora dela),onde o conhecimento se torna a mola propulsora de uma transformação necessária, avançamos pouco e regredimos muito nesses últimos dois anos, no quesito Educação entre tantos outros temas importantes. Somando-se a isso, estamos vivenciando um cenário de horror em que o negacionismo está levando milhares de nossos compatriotas à morte, dilacerando mentes e corações. Nessa perspectiva, me debruço em propor uma reflexão com vocês, caros leitores e leitoras.

E as nossas escolas, nesse contexto? Como ficam?

A volta às aulas surge como um dilema espinhoso tanto para as autoridades, quanto para professores, alunos e seus familiares. Diante desse quadro, desenha-se uma situação ainda mais complexa, quando nos questionamos a respeito de alunos com alguma deficiência, que necessitam de um suporte especializado, além do ensino regular.

Sendo assim, e de acordo com a concepção do nosso Educador Emérito, é possível inferir, que a percepção do presente, ou seja, a leitura do “texto-mundo”, de hoje, poderá fornecer ingredientes para o surgimento de uma geração de alunos (com deficiência ou não) esvaziada do significado do termo escola, onde conhecimento e vivência são essenciais para a formação do ser humano e consequentemente da vida em sociedade.

Retomando a provocação inicial, exposta no título deste texto, pode-se afirmar que o ato de ler vai muito além do reconhecimento do código, ou seja, o nascimento de leitor, prescinde da “morte” do autor, segundo o pensador francês Roland Barthes, quando  defendia uma espécie de pós-estruturalismo desconstrutor em “O Rumor da Língua”. [2]

Portanto a construção de sentidos, durante o ato de ler, é resultante das experiências de mundo desse leitor, em que a vivência cultural e social contribuem para o enriquecimento de seu repertório, dinamizado cognitivamente em suas memórias de longo prazo. Nesse sentido, é possível inferir que alunos cegos, por exemplo, provavelmente, apresentarão uma vivência diferenciada de alunos videntes, que contam com a visão para compreenderem e interpretarem o mundo a partir, e principalmente, de suas referências visuais.

Este breve texto não tem a pretensão de apontar respostas, mas suscitar questionamentos, que  levem a  pensar como esses alunos cegos estariam interpretando a realidade presente! Para ilustrar essa ideia, sabe-se, por exemplo, que a rotina sintática, dos móveis, em uma sala de aula, é fundamental para proporcionar mobilidade e segurança  do eu-sujeito cego. Diante disso, pergunta-se: de que maneira o atual quadro social, em que todas as rotinas foram alteradas, estariam repercutindo em suas vidas e influenciando  suas percepções?

Dessa forma, voltamos ao cerne de nossa preocupação mais urgente: a reabertura das escolas e a volta as aulas presenciais parecem colocar em xeque duas perspectivas, que se antagonizam momentaneamente: a preservação da vida ou a retomada dos estudos.

Sem querer oferecer respostas prontas, penso que para haver escola é preciso, primeiramente, que as pessoas existam, pois a inversão dessa premissa leva a um sofisma macabro.

Agradeço, mais uma vez, a participação de todos vocês e se puderem compartilhar suas opiniões, a partir dessas reflexões, poderemos construir, juntos, um diálogo interativo muito promissor.

Obrigado.

 

[1] FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: cortêz, 1988.

[2] BARTHES, Roland. O rumor da língua. Trad.: Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.

Caminhar é preciso

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Eram pouco mais de 16 horas. A tarde caminha para seu fim. A noite anterior foi longa porque o sono não veio. Rebelde, o Orfeu não quis comparecer e permitir o aconchego. No canto do quarto, os tênis pretos, como dois grandes olhos perguntam: e aí, vai ou não vai? Depois não reclame se não conseguir dormir. A advertência foi clara, não podia adiar a caminhada. Não importam as dores, a exaustão, a fadiga. O trajeto  é chegar ao parque.

Os pés, sempre doloridos e cansados, envoltos por meias, invadem aquelas covas escuras que agora fazem parte do corpo, fixados pelos cadarços.  Um após outro os passos percorrem as ruas. Nesta época, elas estão acanhadas, com pouco movimento devido à pandemia. O comércio também se recente, os clientes são poucos. São muitos os estabelecimentos fechados com placas de vende-se ou aluga-se. Outros estão abandonados e pichados. Um retrato triste de uma crise sem precedentes que gera também abandono.

Os passos precisam ser firmes e precisos, no mesmo ritmo para cumprir seu trajeto. Caminhar é preciso, parar não é preciso. Ah, Fernando, seja pessoa e compreenda: ir implica voltar. O lá é o ponto máximo a se chegar. Lá está ele, o parque.

Agora ele é aqui e os passos revelam novas situações. Os tons infindáveis de verdes das árvores, desde os mais claros aos mais escuros, brilhantes e opacos, enchem os olhos de beleza. As bicicletas, skates e corredores passam mais rápidos em contraste com os mais velhos que caminham lentamente, assim como os pais que diminuem o ritmo de seus passos para acompanhar os de suas pequenas e encantadoras crias.

No parque os passos seguem os caminhos mais tranquilos, aqueles com poucas pessoas, uma busca de tranquilidade e paz. E ali, naqueles locais menos freqüentados, há uma coletânea de cenas se revelando: casais de namorados, abraçados, deitados sobre um tecido qualquer, como se fora o colchão mais macio e confortável do mundo, ilusão criada pelo deleite do namoro e pelo fervilhar dos hormônios.

Os passos seguem e mais adiante outra cena reveladora: uma mulher jovem, morena, de cabelos pretos, ondulados e soltos posa para uma fotógrafa. O marido acompanha um pouco afastado, pois o momento é dela. No vestido longo e branco, ela exibe a barriga avantajada e o orgulho de agasalhar uma vida que cresce dentro e em breve fora daquela barriga. Um registro de um tempo de duas vidas em uma.

A tarde vai caminhando juntamente com cada passo e o trajeto já é o de volta. Mas ainda há muito para percorrer e ver. Pais,  com seus pequenos pimpolhos, levaram as iguarias de um piquenique, antigamente chamado de  convescote. As palavras também caminham e tomam novos rumos na vida.

Cruzar com bicicletas com gente miúda na garupa ou na dianteira leva ao riso por ver cabelinhos voando e a sensação de liberdade nos rostos dos transportados e de satisfação dos que se aventuram a carregá-los. Experiências únicas que serão contadas nos passos que a vida.

Os passos dos cachorros são pequenos e rápidos. Seus donos, ora tentam acompanhar no mesmo ritmo, ora tentam reter aqueles mais afoitos que tudo querem cheirar ou mijar para marcar território, mas vão todos se deliciando do paradoxo de quem passeia quem. Será o dono quem passeia o cachorro ou o cachorro que passeia com o dono? Direta ou indiretamente, todos passeiam.

Ainda falta um pouco para sair do parque e cada passo importa. Há casais que encontraram um banco e estão sentados conversando, talvez fazendo novos planos ou apenas apreciando aquele momento.

Os passos agora se aproximam da saída do parque. Os pés cansados e doloridos rumam para casa, recompensados pela experiência vivida. Um após outro, passo após outro, as ruas vão sendo deixadas para trás, com todos os movimentos que as envolvem.

Abrir a porta, tirar os tênis, colocá-los num lugar ventilado para uma nova caminhada faz parte do ritual. O que ficou desse caminhar é a certeza de que o parque é um lugar onde nascem muitos sonhos. Caminhar é preciso.

Elza Gabaldi é professora há mais de 30 anos e reflete nesse espaço sempre que pode.

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

Nessa Crônica, o caminhar é mais que percorrer um espaço. Trata-se de observá-lo e pensá-lo como o lugar onde se constroem sonhos.

É o que é e vale o que vale

Nessa crônica o professor Manuel Pires fala sobre as modas das palavras e expressões que adquirem relevância, mesmo sem dizer muita coisa.

Boas tardes, meus caros. Espero que a saúde vos acompanhe e que vos tenha em boa companhia. Estas palavras que hoje vos trago foram escritas há um par de meses durante as derradeiras tardes de Verão e todos nós sabemos que o infernal Verão do Nordeste Trasmontano é como é e as sombras frescas estão onde estão.

Eu, pessoalmente, não desfazendo velhos choupos e amoreiras, prefiro as sombras das casas antigas feitas há muitos anos atrás com aquelas grandes lajes de xisto mais refrescantes que qualquer sistema de ar condicionado. Uma pessoa entra para dentro de casa, muitas vezes após desviar do caminho as típicas correntes de fitas para o moscaredo, e sente imediatamente aquele bom frio fresquinho a emanar das pedras que os homens a braços extraíam dos termos das aldeias, subiam para cima dos carros e levavam para as casas com ajuda domesticada de animais laboriosos.

Antes que me esqueça congratulo desde já o caro leitor por fazer parte deste momento com especial irrelevância histórica. É que o parágrafo anterior bateu provavelmente o recorde de truísmos, pleonasmos e repetições desnecessárias de que há memória num só parágrafo pelo menos na era D.C., depois do Covid. É um momento com a sua peculiaridade e que, como outros, vale o que vale. Quero com isto dizer que é saborosamente interessante para quem aprecia a moda das palavras com que as pessoas vestem o seu falar, poder acompanhar quais os acessórios, nomeadamente, as muletas, bengalas ou cajados que mais se usam em cada época. Por norma, as pessoas com menos recursos a nível de guarda-roupa lexical são as que mais aderem a este tipo de vestuário, mas também há as que tropeçam nestas vestimentas à força de tanto estarem na moda. Nesta Primavera/Verão está muito em voga o é o que é, um acessório poderoso na medida em que diz tudo sem dizer nada, ou por outro lado, que nada diz deixando tudo concludentemente dito. A nível de rematar frases é uma expressão portentosa uma vez que consiste numa espécie de solilóquio epicurista voltado para a aceitação das coisas segundo a sua natureza intrínseca, o que se coaduna com estes tempos de pandémica impotência perante o devir colectivo da humanidade. Ou para usar esta bainha retórica com que neste momento se bordam as frases, e tal como defende a filosofia mais económica, a força desta expressão reside no facto de que as coisas são como são e o ser humano vale o que vale. A questão é que a sensibilidade dos nossos ouvidos também é como é. Por isso, pese embora a boa intenção dos rematadores, estes são remates de frases cujo propósito era ir na direção do gol mas acabam por desaguar tristemente pela linha lateral. No meu caso, este exercício é ainda mais desafiante de fazer porquanto eu não vivo em Portugal. Na verdade eu nem sei se esta é efetivamente uma moda entre o falar dos portugueses ou se apenas mera impressão minha. É que a minha amostra tem apenas três pessoas. É certo que são apenas três gatos pingados, mas, conhecendo o perfil do todo, o suficiente para considerar ou desconfiar que têm alguma relevância estatística. A saber: um técnico interino que disse há tempos que a situação do seu time é o que é e acrescentou que os problemas têm a dimensão que têm; um locutor de rádio a quem ouvi dizer é como é a propósito de não sei o quê; e um amigo que me enviou uma mensagem de Whatsapp dizendo que estava tudo bem e que cito “isto da pandemia é uma m…, mas é o que é”, assumindo aqui a expressão um profundíssimo valor semântico e sociocultural de cariz indelevelmente português. Possui o escárnio no modo abrangente e conspurcado como define a pandemia e introduz uma constatação pertinente e aliterante que fomenta a reflexão e induz no receptor da mensagem margem para a sua própria interpretação da mesma. É o que é representa um idiomatismo como sinal dos tempos que atravessamos e que pela sua descarga retórica estará ao mesmo insigne nível das tiradas que se partilhavam dos futebolistas e jornalistas desportivos no tempo em que ainda se enviavam piadas e entreténs por e-mail. “Não jogaram bem nem mal, antes pelo contrário”; “fica na retina um cheiro a bom futebol”; “neste estádio ouve-se um silêncio ensurdecedor”; “prognósticos só no fim do jogo” são exemplos de frases que fazem parte do cancioneiro de idotismos portugueses com o bastante de idiota para se poderem fossilizar. Infelizmente esta moda ir-se-á desvanecer com o tempo e será substituída por outros acessórios causadores de coceira em sítios difíceis de coçar. Esperemos que a moda Outono/Inverno de acessórios parvo-linguísticos seja mais amiga dos nossos ouvidos internos. Talvez não, porque afinal a vida é como é, as pessoas são como são e tudo isto vale o que vale. Saúde! Um abraço!

Manuel Pires é professor de Português para estrangeiros e leciona na China

 

Aroma de um tempo: crônica sobre os sentidos

Nesta crônica, a escritora revela a importância dos sentidos para se desenvolver uma história. São os sentidos os reveladores de sua criação.

As manhãs eram frias, muito frias. O sol demorava a aparecer no meio do cafezal. Os pés de café eram bem altos perto de uma menina de seis anos. Os três irmãos mais velhos iam para a escola. Ela e a irmã menor acompanhavam os pais lavradores, jovens, de rostos cansados do árduo trabalho braçal. Sua função era brincar com a irmãzinha. Voltavam para casa à tarde. E já fazia frio outra vez.

Ainda escuro, antes do amanhecer, os pais se punham em pé, acendiam o fogão à lenha, esquentavam a água e faziam café. Era hora de recomeçar. Os irmãos iam para a escola, os pais com suas marmitas nas costas, seguiam para a lavoura de café com suas outras duas meninas.

Em certas épocas, depois de muito cuidar, os pés de café floriam. As ramas se enchiam de flores brancas, miúdas e cheirosas. Elas deviam ser doces porque as abelhas vinham e ficavam caminhando sobre aquelas florezinhas brancas por bastante tempo.

Mas, as flores duravam pouco, logo desapareciam. Em seus lugares surgiam uns carocinhos verdes que iam crescendo dia após dia. Já crescidos começavam a mudar de cor. Começavam a ficar amarelos, depois alaranjados, vermelhos e depois pretos.  Estando mais pretos do que vermelhos, era tempo da colheita.

Monitorados de pequenos cassetetes de madeira dura, improvisados das árvores do local, os pais batiam nos galhos de café para que os grãos caíssem. Logo depois usavam rastelos e faziam montes. Os montes eram abanados em peneiras de arame para serem ensacados.

Próximo da casa havia um grande terreiro de cimento onde se espalhava o café logo de manhã. Conforme o sol esquentava, o café devia ser mexido para que o calor do sol em contato com o cimento apressasse a secagem dos grãos. Depois de seco era ensacado novamente para ser vendido. Mas o café para o consumo da família ficava reservado.  Ele deveria ser consumido pela família até a próxima colheita.

E o café regava as bocas e gargantas de todos em todas as manhãs e também em noites quando aparecia uma visita. O café colhido, seco, guardado cru, era torrado de tempos em tempos para ser consumido.

Era como um ritual: acender o fogo, pegar o café, colocar no torrador e girar, girar até uma fumaça começar a sair do torrador. Ah, que cheiro bom exalava daquele trambolho redondo feito de lata sob aquele fogo. A alquimia se dava no processo de torrar o café.

A mãe ensinou que a cor do café torrado não poderia passar de marrom vivo, senão o café passaria do ponto, deixaria a bebida amarga.

E assim, entre cuidar, colher, secar e torrar, os anos passaram. A labuta, a família, a dureza da vida do campo e o cheiro e gosto do café temperando a vida.

O tempo passou, a vida mudou. Mudando para a cidade perdeu-se o contato com a natureza abundante em beleza e miserável para quem a cultiva.

Já não mais se torra café na casa. Compra-se pronto. Mas ele continua a acompanhar cada manhã, cada membro da família, menos os que se foram, a mãe, o pai, um dos irmãos.

A menina do passado, agora mulher, aquece suas manhãs frias. Ela sorve o café, com uma xícara na mão, olhando a rua, sentindo o gosto do café, ajudando-a a despertar nas manhãs e a animar-se em algumas tardes.

Ela busca um gosto específico, aquele gosto de café torrado, na cor marrom viva que nunca mais foi encontrado. Os cafés de agora são todos mais escuros e mais amargos. E todos os dias, em cada gole de café, sua boca busca aquele sabor que pertence a um tempo, um tempo em que o café tinha outro sabor. Ele agora é outro e tem gosto de saudade.

Elza Gabaldi é professora já mais de 30 anos e escreve neste espaço sempre que pode.

2021: Os desafios educacionais na pandemia

O professor Saulo César começa o ano de 2021 pensando sobre desafios educacionais na pandemia, algo fundamental na área da educação.

O professor Saulo César começa o ano de 2021 pensando sobre desafios educacionais na pandemia, algo fundamental na área da educação.

A atual conjuntura social e econômica em nosso país exige de nós, profissionais da educação, um replanejamento, que vai muito além dos desafios em sala de aula e dos conteúdos programáticos específicos das disciplinas. Isso se mostra ainda mais grave quando se insere nesse contexto, os alunos com necessidades educacionais especiais, e em particular os cegos.

É de conhecimento de muitos, seja pela prática docente, ou por meio de informações veiculadas pelos diversos meios de comunicação, que entre os anos de 2003 e 2016, o Brasil avançou muito na conquista dos Direitos da Pessoa com Deficiência, avanço este refletido por meio de ações afirmativas e capitaneadas por um Ministério da Educação, que tinha como uma de suas principais metas a ideia de uma escola para (e com) todos. A título de exemplificação, gostaria de citar a campanha “Toda criança é única”, implementada pelo MEC, que se organizava por uma série de vídeos, em que alunos do ensino fundamental, de escolas públicas, com diferentes deficiências, eram apresentados em contexto de inclusão em sala de aula. ¹

Durante esse período, floresceram propostas de Educação Inclusiva, com novas diretrizes curriculares; além de cuidado na criação e manutenção de cursos para formação de professores para trabalharem em cenários de diversidade. O país viveu, naquele período, uma espécie de “apogeu educacional”, em que a meta era zerar o índice de analfabetismo com nenhuma criança fora da escola.

É preciso observar, no entanto, que isso só foi possível porque houve um conjunto de ações, no campo social, com a construção de redes de proteção como Bolsa Família, por exemplo, que permitiu a inversão de uma lógica perversa, que vigorou no Brasil, oriunda de suas raízes escravocratas, separando a sociedade em um tipo de “castas”. Portanto, antes de se ter todas as crianças em sala de aula, seria necessário proporcionar a elas e as suas famílias, a possibilidade de sobrevivência, levando-se comida para suas mesas, ao menos, três vezes por dia.

Durante essa “onda social”, tive a oportunidade de desenvolver e concluir minha pesquisa de doutorado, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cujo objetivo foi identificar como o aluno universitário cego constrói as suas identidades sociais, durante as atividades de leitura. Essa experiência acadêmica me trouxe ganhos profissionais e pessoais muito valiosos, pois aprendi a “ver” com outros olhos o mundo e a vida, desenvolvendo, assim, instrumental necessário para o planejamento de atividades pedagógicas com os alunos cegos em sala de aula, na área de Língua Portuguesa. Esse perceber o outro e suas necessidades contribuiu, e muito, para a troca de experiências com meus alunos universitários de Letras e Pedagogia, no ensino de leitura e as estratégias para as atividades com alunos cegos.

Mais recentemente, passei a investigar, em minha pesquisa de pós-doutorado, na Universidade de São Paulo, como essa construção identitária ocorreria no momento em que esse aluno interpreta textos, empregando modalizadores. Como sugestão de leitura, deixarei em nota de rodapé um artigo, que publiquei sobre o tema. ²

Durante este primeiro semestre, minha proposta é compartilhar com vocês algumas dessas reflexões, incluindo a indicação de outras leituras, filmes e vídeos a respeito desse assunto.

Neste início de 2021, já sabemos que os desafios serão imensos, pois, como é de conhecimento público, passamos por um momento histórico único, em que a humanidade enfrenta uma ameaça a sua sobrevivência por fatores de saúde ainda desconhecidos, gerando medo e insegurança nos mais diversos países, ao redor do planeta.

Somando-se a essa realidade de pandemia, observamos estarrecidos, em nosso Brasil, a desconstrução pelo próprio Ministério da Educação desse projeto de inclusão, com o desmonte das redes sociais protetivas, tão necessárias para superarmos barreiras e desenvolvermos novos caminhos.

Caberá, portanto, a nós professores e outros atores envolvidos com os mais diferentes segmentos sociais e educacionais, estarmos atentos aos discursos duvidosos, geradores de sentimentos caóticos, opostos ao fraterno e inclusivo, que colocam a pesquisa e a ciência como sofismas de uma suposta “teoria conspiratória”.

Para finalizar, gostaria de dar as boas vindas a todos e todas, parabenizando, em especial, os Organizadores deste espaço virtual, que nos incentivam a alimentar o diálogo com o outro, traçando, dessa forma, estratégias de resistência à barbárie e ao obscurantismo.

Um fraterno abraço.

Prof. Dr. Saulo César Paulino e Silva

¹ Para acessar, clique em https://www.youtube.com/watch?v=LV1Xi0LMev8

² Para acessar o texto, clique em http://www.sodebras.com.br/edicoes/N139.pdf (pag. 85-88)