Porque somos professores e humanos!

Ao se aproximar o Dia dos Professores, Elza Gabaldi descreve uma experiência dolorosa quando um de seus alunos faleceu.

A frase mais dita e divulgada no 15 de outubro é “Feliz dia dos Professores”. Uma homenagem àqueles que preparam outros seres humanos para as várias funções na sociedade, inclusive para aquelas que ainda não existem.

A frase, ainda que nobre e justa, está distante da realidade daqueles que têm por ofício ensinar. A profissão de professor é uma das mais arriscadas do mundo, já que cada aluno é um mundo a ser descoberto. São mistérios que todos os dias tentamos desvendar. E, diferentemente da imagem criada ao longo da história que somos “detentores do conhecimento” sabemos que somos seres que amam o conhecimento, mas como todos os seres  humanos, temos limitações.

Se perguntarmos aos professores os fatos que mais os marcaram, todos terão uma infinidade de histórias. São mundos que se revelam todos os dias diante deles. E, sendo assim, elas podem ser lindas e maravilhosas, mas também o seu contrário. São livros abertos com histórias que precisam ser contadas e lidas.

Na trajetória de mais de trinta anos sendo professora, a retina de meu olhar se deteve mais tempo em alguns acontecimentos. Eles me ensinaram tanto quanto os muitos livros que li. São acontecimentos que marcaram minha vida para sempre. Produziram mais sentido e clareza em meu ser do que muitas teorias estudadas no meio acadêmico.

Neste ofício, mais aprendi do que ensinei. Conheci estudantes bons e maus. Inocentes, puros, tiranos e até mesmo perversos. Tem aqueles que se destacam em tudo, lideram grupos e estudos. Há também os que  se escondem de tudo, de difícil acesso. Nestes tudo é segredo. E ainda existem aqueles que, mesmo em tenra idade, mostram maturidade e caráter impecáveis. Um tecido raro que não sabemos onde o primeiro fio se inicia, nem onde irá terminar, mas tecemos junto com eles quando estamos ensinando.

E nesse tecer, precisei me traduzir em muitas línguas para me fazer entender. Nem sempre fui  compreendida, aceita ou amada. Contudo,  continuei entrando e caminhando pelas brenhas que se apresentavam a minha frente e sigo assim até hoje. Não foram poucas as vezes em que me deparei nas encruzilhadas e precisei fazer algumas escolhas que doeram muito, mas foram necessárias.

E, assim caminhando, minhas retinas por tantas vezes inundadas de lágrimas de alegria ou de tristezas, puderam registrar fatos que vi e vivi como professora. Muitas formaturas com risos, roupas novas, festas e lágrimas de separação. A cada formatura, muitas separações são feitas porque novos caminhos diferentes serão seguidos; as produções de textos, muitas vezes eram transformadas em verdadeiras confissões de medos, angústias e sonhos. Revelações de segredos registrados numa folha de papel e que meus olhos percorriam nas muitas noites antes de dormir e em longos fins de semana para devolvê-las o mais rápido possível ao seu redator. E, nas pequenas perguntas como “O que você achou de meu texto”, havia mais do que uma pergunta que nem sempre pude responder.

Vi alunos partindo, desistindo da escola. Novatos chegando e esperando um acolhimento. Outros,  chegavam querendo demarcar terreno e poder. Alguns tiveram doenças graves. O câncer deixou marcas profundas e também um quê de vitimismo em um deles. Era uma questão de tempo ele compreender que teve muita sorte e apoio para superar a doença. O ataque de asma de uma adolescente me ensinou o quão bom é respirar sem dor.  Mas nada marca mais do que a morte de um ser jovem e cheio de vida.

Ele foi cercado por outros adolescentes quando ia para sua casa. Eles o ameaçaram, xingaram. Naquele dia, se o grupo cometeu alguma violência física contra ele, eu nunca soube.

O pai dele, ao me ver no velório, não se cansava de  dizer: “Obrigado professora”. Eu assentia com a cabeça. Ele andava pela sala, caminhando em volta do caixão. A cada vez que passava por mim, contava um pouco do que tinha acontecido. “Ele sofria do coração”, disse”. “Ficou muito assustado com a ameaça do grupo de rapazes”. “Depois se sentiu mal e não resistiu…”

“Ele queria muito uma motinha para ir para a escola. Eu comprei, continuou o pai. “Ele estava feliz professora…” “Obrigado professora…” “Obrigado professora…”

No dia seguinte, ao voltar para a sala de aula, não encontrei aquele rosto moreno, sorridente e calmo. Também não encontrei os mesmos sorrisos na face dos seus colegas e amigos de sala de aula. Estavam mudados, tristes e calados. A perda os fez amadurecer muito rápido, de um dia para o outro. Era o mês de outubro, mês que se comemora o Dia dos Professores.

Aprendi que todos os dias são Dia dos Professores. São dias bons e dias difíceis marcados por acontecimentos que permanecem no coração e na memória para sempre. Sim, somos professores, humanos e imperfeitos. Sabemos que nem sempre temos respostas mediante a tantos mistérios e grandiosidade da vida.

 

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos.  Para ler suas outras colunas, clique aqui.

Produção textual com alunos deficientes visuais

Em sua coluna, o Prof. Saulo César apresenta alguns detalhes sobre a produção textual com alunos deficientes visuais
Produção textual com alunos deficientes visuais a partir das noções de coesão, coerência e intencionalidade

 

A sala de aula é um complexo mosaico de diferentes realidades. Ela se apresenta como se fosse uma orquestra cuja responsabilidade e intencionalidade de regê-la está sob égide do maestro a quem caberá harmonizar os instrumentos, mantendo-os coesos e coerentes com a intencionalidade de executar com primor partitura apresentada.

Levando-se em conta essa metáfora, e transpondo-a para a realidade educacional, em particular das escolas públicas brasileiras, descortinam-se inúmeros desafios para os profissionais da educação.

No ensino de Língua Portuguesa, principalmente nos anos finais do ensino médio, as aulas de redação têm se mostrado desafiadoras e, não raro, apresentando resultados aquém do esperado com alunos videntes. Agora, imaginemos essa realidade aplicada aos alunos com deficiência visual!

A primeira questão que se nos apresenta é: por que os alunos, de maneira geral, apresentam baixo desempenho na construção e organização textual?  Uma resposta definitiva e objetiva seria uma “aventura” perigosa que poderia resvalar na superficialidade de uma visão sem cientificidade ou critérios metodológicos.

Por isso proporemos algumas reflexões, levando-se em conta 03 elementos importantes dos fundamentados na Linguística de Texto: a coesão, a coerência e a intencionalidade.

Para iniciarmos, primeiramente, vamos retomar a metáfora da orquestra, onde os alunos seriam os músicos, a produção textual deles os instrumentos e o professor, o maestro responsável pela harmonização e execução da peça musical.

Partindo dessa perspectiva, iremos agora, contextualizar esse “músico” e seu “instrumento” para a realidade do aluno cego, cujas características são bem distintas do aluno vidente, ou seja, aquele sujeito que não apresenta comprometimento em sua acuidade visual.

Para se compreender o universo da pessoa com deficiência visual, torna-se necessário, primeiramente, despir-se de todo e qualquer preconceito que se tenha adquirido ao longo da vida. Os estereótipos de incompletude, comiseração, incompetência, dentre outros permeiam a discriminação, ainda que isso ocorra de maneira involuntária.

Basicamente, as limitações visuais que acometem grande parte da população deficiente visual estão baseadas em três grandes classificações que iremos, resumidamente, apresentar a seguir.

Cegueira Congênita: a pessoa nasce sem a visão ou poderá perdê-la antes dos 05 anos de idade por motivos de enfermidades degenerativas ou de má formação do sistema visual. Isso ocasiona a não organização da chamada “memória visual”, importante para o desenvolvimento cognitivo.

Cegueira Adquirida (ou tardia): a pessoa é acometida da perda visual total por algum trauma que causa alguma lesão do globo ocular, ou em algum outro órgão da visão, após os 05 anos de idade. Nesse período, o indivíduo já tem desenvolvida a memória visual que contribuirá para a compreensão do mundo e sua interpretação.

Baixa Visão: a pessoa apresenta diferentes graus de comprometimento visual, mas ainda utilizará algum resíduo (visual) para a execução de tarefas, como por exemplo, a leitura de textos com auxílio de ampliadores de tela e outros acessórios que poderão auxiliá-la. Nestes casos, a memória visual também estará preservada.

Acreditamos que o conhecimento (e reconhecimento) dessas características em seus alunos poderá auxiliar o professor a planejar estratégias pedagógicas que contemplem as necessidades específicas de cada caso. Por isso, independentemente da atuação desse professor ser ou não em sala de recursos, os conhecimentos básicos sobre a deficiência visual se tornam fundamentais em sua formação. Em nosso próximo artigo, pretendemos trazer e apresentar alguma dessas estratégias.

Após essa breve introdução, gostaríamos de propor uma reflexão de como trabalhar a produção textual com alunos deficientes visuais, tomando por base a coesão, a coerência e a intencionalidade. Na teoria da Linguística Aplicada, os três elementos citados são imbricados, porém singulares.

Para se refletir sobre essa perspectiva, torna-se necessário rever os conceitos de texto seja no âmbito oral ou escrito. Levando-se em consideração que a textualidade vai muito além de seus aspectos gramaticais e sintáticos, faz-se necessário concebê-la como uma unidade significativa de comunicação que está relacionada ao contexto onde é produzida, assim como aos interlocutores envolvidos nesse processo.

A produção do texto escrito poderá ser trabalhada pelo professor, levando-se em consideração os três elementos descritos acima, considerando a partir da linha teórica da Linguística de Texto, que, em seu conjunto, poderá auxiliar os alunos deficientes visuais na redação de bons textos a partir de seu conhecimento de mundo.

Para que essa estratégia apresente resultados satisfatórios, será necessário em um primeiro momento, apresentar aos alunos os conceitos de coesão, coerência e intencionalidade de forma lúdica e bem simplificada, somando-se ao (re)conhecimento das necessidades específicas de cada  aluno com essas características. Isso será fundamental para que a “orquestra” não desafine.

O conceito de coesão é definido como a organização dos elementos gramaticais do texto, tornando-se responsável por sua “ampliação”. Em outras palavras: a expansão necessária para atender a intencionalidade de seu produtor. Essa expansão está relacionada com a estrutura microestrutural do texto.

Por outro lado, a coerência está relacionada com a macroestrutura do texto, ou seja, com os sentidos globais do enunciado, tornando-se responsável pela construção de sentido. Portanto, ao se considerar um texto como “uma boa produção”, estaremos levando em consideração os aspectos macro e microestrutural, isto é, textos que apresentem coesão e coerência. No entanto, nessa perspectiva, poderemos também encontrar textos coesos e sem coerência, ou ainda, textos coerentes e sem coesão.

Para se falar a respeito de intencionalidade é necessário levar em consideração aspectos importantes como o contexto onde o texto foi produzido, assim como a ideologia subjacente à materialidade linguística expressa na organização do enunciado. De acordo com Koch e Elias (2006)¹, qualquer produção textual, oral ou escrita, apresenta uma intenção, ou seja, uma motivação que levará o autor a determinado posicionamento. Portanto, nessa ótica, a ideia de “neutralidade” perde significado, pois de acordo com a teoria da Linguística Textual, não há textos neutros. Toda e qualquer produção está imbuída de uma intencionalidade, consciente ou não.

Resumidamente: a intencionalidade organiza as informações textuais a partir de um planejamento prévio descrito da seguinte forma: 1. O que falar; 2. Para quem falar; 3. O quanto falar; 4. De que maneira falar.

Após o reconhecimento do universo e as necessidades específicas do aluno com deficiência visual, assim como a importância da coesão, coerência e intencionalidade, no momento de se redigir um texto, acreditamos que o professor estará instrumentalizado para planejar, desenvolver e executar atividades pedagógicas eficazes nas aulas de Língua Portuguesa.

Dessa forma, acreditamos que o “maestro” estará aptopara a execução de uma obra, pautada na eficácia textual em que os músicos e os instrumentos se harmonizam na construção de um cenário propício para o aprendizado.

Como foi comentado anteriormente, em nosso próximo artigo traremos algumas sugestões de atividades, que poderão ser trabalhadas com alunos deficientes visuais durante as aulas de produção textual a partir das discussões apresentadas neste texto.

Agradeço pela atenção de todos vocês. Se acharem o texto interessante, podem compartilhar ou comentar no espaço desta coluna.

Até uma próxima oportunidade.

  1. KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda M. Ler e Escrever – estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

Prof. Saulo César Paulino e Silva escreve nesse espaço todo mês, para ler suas outras colunas, clique aqui.

Esta língua faz magia

Esta língua faz magia

Boas tardes. Espero que se encontrem bem de saúde e que a normalidade esteja a voltar ao mais normal possível. Há alguns meses celebrou-se o primeiro dia mundial da língua portuguesa, um acontecimento com a dimensão e com o destaque possível nestes tempos em que andamos entregues ao domicílio, mas um motivo de reconhecimento da grandiosidade deste bem que o mundo partilha e através do qual pensamos e comunicamos. É a diversidade que vive dentro desta língua – parece que agora se recuperou o termo “mestiçagem” – a sua maior riqueza e um dos seus mais belos traços distintivos. As culturas e as nuances que a constroem e se espalham por todos os recantos do mundo. Um bem haja a esta língua que de longe até aqui chegou e tanto nos conta. Uma língua capaz de expressar e misturar de tudo um pouco, revelando desde os seus aposentos o clássico e o tropical, o mar e o deserto e gentes de toda a natureza. Uma língua que germinou outras e deixou prole, desde os crioulos do ocidente africano aos da Índia e do sudeste asiático, do patuá de Macau ao papiamento das antilhas caribenhas. Uma vez em Madrid conheci pessoas da ilha de Curaçao, a norte da Venezuela, aquela gente toda loirinha e neerlandesa a falar um crioulo tão familiar e cheio de português pelo meio. Gente muito boa. Outra vez em Montenegro encontrei um sérvio que me dizia entender português se eu falasse devagar e a questão é que entendia mesmo, explicou-me depois que era por causa de como nós, portugueses, ter crescido com as telenovelas brasileiras lá por casa. Em Malaca, das profundezas da identidade dos povos uma senhora de sua bonita idade a trocar boas tardes num suave português dentro das ruínas de uma igreja com vista para o estreito. Em Lisboa um chinês com o genuíno português do Porto. Em Cantão um chinês com o autêntico português de Luanda. Em Xangai uma chinesa com o português mais paulista de São Paulo. Em Macau por vezes ainda se apanha o patuá a andar pelas ruas, uma mistura de português com cantonês, mandarim e contributos de muitas outras línguas do sudeste asiático. A língua portuguesa tem tanta prole, tantos mundos que nem nos passa pela cabeça. Até tem o “amazonês” que é quase a sinopse da própria língua portuguesa.

Qualquer professor que ensine português fora recordará muitos motivos não tão evidentes que levam as pessoas a estudar esta língua. Teria inúmeros para referir uma vez que aqui já trabalhei com público de muita natureza, trabalhadores de empresas em vias de ir para Angola, Moçambique ou Brasil, crianças para se juntarem a familiares em Portugal, ávidos colecionadores de línguas e até detentores de vistos dourados. Normalmente é pelo futuro profissional ou por razões familiares, mas por entre as motivações que trazem pessoas para a língua portuguesa menciono três: uma aluna que foi atrás do português porque tinha como ídolo o piloto brasileiro Rubens Barrichello (!); uma aluna que queria o português para ler Fernando Pessoa no original (não é das motivações mais inusitadas); um aluno atraído pela figura de Vasco da Gama (faz parte do currículo de história do ensino secundário chinês). Acrescento outra. Recentemente, procurou-me uma jovem que depois de acabar a universidade decidiu tirar um ano sabático para aprender português. Durante um ano tivemos aulas quase todos os fins de semana, ao fim do qual com enorme preseverança, até porque além desta família não tinha mais ninguém com quem praticar português, foi a exame e conseguiu a certificação que lhe permitiu aceder ao mestrado que agora frequenta em Lisboa. A motivação dela para tudo isto? Agir. A pancada que a ligou à língua portuguesa foi uma amiga lhe ter apresentado as músicas do Agir. Ficou tão apaixonada ou grudada nas músicas do Agir, mesmo não entendendo as letras, que acabaram por lhe desviar a vida para a língua portuguesa e depois para Portugal. Não é só por causa do valor económico e profissional, muitas vezes a magia nasce do nada, de um acaso que como outros tornam os dias e as vidas tão mais únicas e saborosas. Lançando-me, porque sim, o desafio de escolher um de entre os insignes operários da língua portuguesa para assinalar esta data e estando eu a escrever frases para um periódico, faço referência à figura do multi-facetado Millôr Fernandes, prolífico cronista brasileiro, mas também ilustrador e dramaturgo, sendo acima de tudo um dos grandes buriladores das palavras da língua portuguesa para a qual contribuiu com a sua genuína mordacidade com uma série de tiradas antológicas. Relembrei-o um dia destes ao cruzar-me com a frase “viver é desenhar sem borracha” e outras acabei por ir procurar como “família é um grupo de pessoas que tem a chave da mesma casa”; “com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado.” O cardápio de inspiração e humor perspicaz é abundante. Nesta língua cabe Millôr e cabemos todos porque todos, consagrados e deslembrados, a produzimos e transformamos. Tanto é de Camões como de Aleixo, de Pessoa como de Oswald de Andrade, de Guimarães Rosa como de José Cardoso Pires, de Sophia e Clarice, O’Neill e Leminski, Pepetela e Torga, Paulina Chiziane ou José Luís Peixoto. E a música, também é de todos os músicos. Língua de uns e outros e de todos sem excepção. Uma língua decorada por todos, decorada com os jacarandás do tupi, o chá de Cantão ou com o carimbo em carne viva do quimbundo. Uma língua que é bem tratada e que é mal tratada e que se está bem a marimbar para tudo isso, tal como se está para os muros e fronteiras internas que muitos teimam em lhe traçar, inclusive ou principalmente os seus académicos. No outro dia ouvi alguém que por entre tantos insights e inputs debitados, de repente objectou “olhe que não é baixar”, “nós em Portugal dizemos descarregar o documento ou o ficheiro”. É engraçado que quando é para a fotografia há sempre a bandeirinha da língua com xis milhões de falantes e na posição ípsilon a nível mundial, mas depois somos sempre muito solícitos a puxar do dedo de inquisidor-mor do tribunal do santo ofício do português de Portugal mal ele ponha um pé no quintal do português dos vizinhos. Algo que de modo nenhum se aplica a anglicismos e demais palavras estrangeiras. Por exemplo, agora já ninguém usa tigelas ou mesmo malgas, sopas e cereais são para se comer em bowls. Usar palavras da língua portuguesa na língua portuguesa? Ultraje, sacrilégio; Enfiar amiúde, e desnecessariamente, inglês no português? moderno, bem-parecido, fancy. Quando se cita Virgílio Ferreira o que verdadeiramente se quer dizer é “Da minha língua vê-se o Mar da Palha” e o heterónimo de Pessoa diz que “A minha pátria é a língua portuguesa da metrópole”. Mas a língua portuguesa também é isto, criqueira, incongruente e com muitas camadas de pele. Uma língua que não tem dono por ser de muitas mãos. Uma língua que faz magia e nos dá prazer, uma língua que sabe como nos pôr um sorriso na cara e fazer sentir-nos vivos. Muita saúde para a língua portuguesa, para os que a falamos e para os que a ela se virão juntar!

Manuel Pires, português, é Professor de Português. Atualmente vive e trabalha na China. Ama as palavras e as culturas que a língua portuguesa traz dentro de si.

Audiodescrição e construção de sentido sob a lente da FMRI: uma proposta transdisciplinar

A transdisciplinaridade é uma ferramenta importante para o compartilhamento do conhecimento nas mais diversas áreas do saber. É fundamental que essa construção seja realizada a partir da concepção de pluraridade em que a interação dos estudos.

A transdisciplinaridade é uma ferramenta importante para o compartilhamento do conhecimento nas mais diversas áreas do saber. É fundamental que essa construção seja realizada a partir da concepção de pluraridade em que a interação dos estudos, dos mais diferentes campos de pesquisas, se torne uma prática no cotidiano das instituições acadêmicas.

Pensando na urgência de se propor alternativas, apresentamos, em nossa pesquisa de pós-doutorado, um estudo que envolveu, além do arcabouço teórico sobre cognitivismo, linguagem e construção de sentido pelas pessoas com deficiência visual em eventos audiodescritos, pesquisas com ressonância magnética funcional, relacionadas ao campo da Física Geral.

Para atender às características específicas desta proposta, o projeto foi desenvolvido em duas etapas que se complementam. Na primeira, estudamos (comparativamente) a construção de sentido por meio do uso de expressões modalizadoras de proximidade, identificadas por meio da análise dos protocolos verbais, coletados durante a exibição de um curta-metragem audiodescrito e teve como base teórica principal estudos da gramática funcionalista.  Essa primeira etapa de nossa pesquisa, já foi publicada em nesta coluna, em duas etapas, e está a disposição dos leitores.

A segunda etapa, ainda em desenvolvimento, objetiva investigar como ocorreria essa construção de sentido, levando-se em consideração os aspectos morfológicos do cérebro dos participantes (cegos e videntes). Para isso, os estudos com ressonância magnética funcional são fundamentais, pois o escaneamento cerebral proporciona visualizar em tempo real as áreas cerebrais que são ativadas a partir de determinados inputs provocados pelas tarefas aplicadas.

A amplitude e complexidade do tema exigiu que fizéssemos um recorte para a delimitação do universo de pessoas com deficiência visual, levando-se em conta que há diferentes graus de deficiência, provocados por diferentes causas, que vão desde a cegueira total a baixa visão (que é o uso residual da visão para a execução de tarefas cotidianas). Nesse contexto, ainda, é preciso considerar que há situações em que o indivíduo desenvolve uma memória visual e em outros, não. Por isso trabalharemos com os cegos congênitos, que são, justamente, aqueles casos em que a pessoa nasce cega e não desenvolveu essa memória.

Diversos estudos e pesquisas evidenciam que a plasticidade neuronal adaptativa, nos cegos congênitos, faz com que os neurônios occipitais sejam recrutados para executarem outras tarefas sensoriais relacionadas ao tato, à audicão, ao olfato e ao paladar. Entretanto, não se tem conhecimento, até o momento, a respeito de como esses neurônios atuam e qual a sua participacão na realização dessas tarefas. Estudos a respeito do tema não revelam se os neurônios occipitais são recrutados para servir como auxiliares ou se poderiam  agregar aos neurônios responsáveis pelo processamento dos sinais, oriundos de outros sentidos como uma parte integrada. Sobre esse assunto, há duas hipóteses plausíveis, defendidas por grupos diferentes de pesquisadores. De acordo com a primeira hipótese, alguns cientistas acreditam que, logo após o nascimento, os neurônios não executam tarefas específicas, pois todos seriam capazes de processar qualquer estimulo sensorial, independente de sua localizacão.  A segunda hipótese defende que desde o nascimento os neurônios apresentam especificidade e somente um conjunto de neurônios, designados a processar um tipo de estimulo sensorial, são convocados para realizar outro tipo de estimulo, quando há inatividade de um dos sentidos. Por exemplo, os neurônios occipitais são recrutados para processar os estimulo auditivo nos cegos congênitos. Isso ocorreria porque o lobo occipital, responsável pelo processamento dos sinais oriundos da retina, é dividido em estriado e pré-estriado e este último está subdividido em pelo menos outros seis seguimentos distintos.

Nessa perspectiva, surgem alguns questionamentos, organizados nas seguintes perguntas: Primeira: no caso dos cegos (congênitos), os neurônios recrutados para executar diferentes tarefas no uso do tato, da audicão, do paladar e do olfato seriam os mesmos ou para cada sentido haveria convocação de uma determinada área do córtex occipital? Segunda: esse recrutamento seria padrão para todos os cegos (congênitos e adquiridos) ou mudaria de individuo para individuo?  Na maioria dos estudos avaliados, os estímulos empregados são de curta duracão e o seu planejamento impõe inúmeras restrições aos voluntários. Porém é possível empregar estímulos prolongados em que ocorrerão menos restrições aos voluntários. Como exemplo, podemos indicar o trabalho de no qual os voluntários assistiram um filme em uma sessão de fMRI (functional Magnetic Resonance Imaging). Posteriormente, as imagens obtidas, durante o escaneamento, foram processadas, estabelecendo-se a correlacão, pixel por pixel, entre os cérebros dos participantes. O resultado das análises, da investigação citada, revelou que a exibição sequencial estabeleceu certa correspondência entre os cérebros dos voluntários. Entretanto, quando o filme foi seccionado e as cenas mostradas aletoriamente, essa correlacão desapareceu completamente.

No presente trabalho, já estamos realizando experiência, que tem como referencial o estudo citado anteriormente. Porém a ênfase é para a audiodescrição e o processamento cerebral de pessoas cegas e videntes. Para isso é exibido um   curta metragem audiodescrito, para dois grupos distintos, organizados em cegos congênitos e voluntários videntes, que participam das sessões com olhos vendados. Na perspectiva desse recorte investigativo, a pergunta que surge é se haverá correlacão entre os cérebros dos cegos entre si, e entre os cérebros das pessoas cegas com as videntes. Essa análise comparativa, ainda em andamento, poderá fornecer subsídios importantes para responder (total ou parcialmente) as perguntas mencionadas, anteriormente.

Referências Bibliográficas

Hasson, Y. Nir, I. Levy, G. Fuhramann, and R. Malach. Intersubject synchronization of cortical activity during natural vision. Science, 303:1634 { 1640, 2004.

R•oder, O. Stock, S. Bien, H. Neville, and F. R•osler. Speech processing activates visual cortex in congenitally blind humans. European Journal of Neuroscience, 16(5):930{936, sep 2002.

Audiodescrição

Imagem 1. Experiência com grupo de pessoas videntes em máquina de ressonância magnética e membros de nossa equipe.

Professor Saulo César escreve mensalmente nesse espaço.

A linguagem da pandemia

A professora Elza Gabaldi fala sobre a pandemia e seus reflexos na linguagem em nosso dia-a-dia que nunca mais será igual!

Segundo Victor Hugo, as palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade. O que seria mais leve do que um vírus? O que seria mais difícil de controlar do que uma pandemia?

Na escola, ao estudarmos os prefixos gregos, aprendemos que o prefixo epi significa propagação. Então, epidemia é a propagação de uma doença contagiosa em uma região. Aprendemos também que o prefixo pan significa sobre, por inteiro, todos. Não foi complicado saber como o vírus se espalhou pelo mundo todo e vivemos uma pandemia.

Vivenciar as palavras nos ajuda a entendê-las e usá-las. E para melhor as representarmos, damos novos significados à elas. A quarentena é um laboratório para muitas criações. Está na natureza humana a força criativa.  A linguagem é de longe uma força criativa extraordinária.

Tudo começou quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) alterou o nome Coronavirus para Covid 19. Ainda que muitos desconheçam seu significado (Corona Virus Disease), rapidamente tomaram posse dele e criaram outros. Um deles é covidiota. Esta palavra se refere àquelas pessoas que não respeitam o isolamento ou tomam medidas estranhas como estocar alimentos e papel higiênico. Mais recentemente, temos os anti-máscaras e os máscaras no queixo.

A influência da língua inglesa não quis ficar por baixo. Mostrou-se forte durante a pandemia. Quem pôde trabalhar em casa fez home Office. Quem perdeu emprego trabalhou nos serviços domésticos. E não foi nem é nada fácil para muita gente. Quando todos estão dentro de casa, o trabalho é sem fim. Depois do primeiro mês de pandemia, sair para procurar trabalho não adiantava, estava tudo fechado. A hashtag (#) fique casa bombardeava e ainda bombardeia a todos.

Mas como surgiram palavras em inglês, ficou mais complicado. Existem pessoas que não entendem esse uso num país de língua portuguesa. Então,  elas saiam, iam para as ruas. Aí não teve jeito. Algumas autoridades adotaram o Lock down, o que piorou tudo porque as pessoas não sabiam que estas duas palavras significavam fechamento total.

O entendimento foi forçado com polícia descendo o sarrafo naqueles que não sabiam o que era lock down. Governadores ameaçaram localizar as pessoas rastreando seus celulares, mandaram prender mulheres indefesas e também trabalhadores simples que saiam em busca de seu ganha-pão. Os juízes, fizeram o oposto: mandaram soltar os maiores corruptos do país, ladrões e maridos agressores, colocando a sociedade em maior perigo do que a própria pandemia. Uma vergonha nacional. Não houve tradução, mas poderia ser “A national shame”?

O povo, na sua criatividade, simplificou o que os meios de comunicação importaram. Adotou para o famigerado lock down o nome “tranca-ruas”. Ficou bem mais fácil de entender. Inclusive, apelidou como tranca-ruas alguns governadores que ameaçaram prender e multar quem saísse. A palavra tranca-ruas serviu para reavivar na memória das pessoas a herança africana presente em nosso idioma e em nossa alma.

Com o tempo a população entendeu que não se tratava apenas de um surto. Da epidemia que se iniciou na China, vimos a sua transformação em pandemia. E com o prefixo pan, também aprendemos que as autoridades, os meios de comunicação e as redes sociais fizeram um pandemônio com a palavra vírus, tão leve que veio pelo ar sem que olhos nus pudessem ver.

A população, em meio ao jogo de interesses que se transformou a pandemia adotou a panacéia. Era melhor assim, já que a desinformação vinha das próprias autoridades responsáveis que se diziam combatê-la. Mas, o pior medo aconteceu com uma nova palavra que apareceu, o “Covidão”, uma praga da corrupção que imita outra, mais antiga, o “Mensalão”.  Estas palavras são piores do que a pandemia porque tem uma vida muito longeva por estas bandas. Elas matam ao longo do tempo milhares e milhares de pessoas, principalmente os mais pobres.

E assim, nas tragédias e nas comédias vão se criando novas palavras. Porém, algumas que não foram criadas agora e é de domínio de todos não podem ser esquecidas: a justiça e a esperança. A população espera que tudo isso não acabe em pizza e que as autoridades não lavem as mãos como Pilatos fez.

As pessoas aprenderam a lavar as mãos, literalmente e buscaram se proteger de acordo com suas condições. Aprenderam novas palavras e o poder delas. E por isso mesmo estão tristes e decepcionadas porque descobriram que as palavras com prefixo grego epi e pan, ainda que tão antigas são melhores do que covidão, que rima com ladrão.

Elza Gabaldi é professora de português e espanhol com 30 anos de experiência. Escreve nesse espaço sempre que quer!

O eu e o outro em uma sociedade isolada

Nessa coluna o professor Saulo César reflete um pouco sobre as pessoas cegas e os novos tempos em meio dessa pandemia que afeta a todos.

Nessa coluna o professor Saulo César reflete um pouco sobre as pessoas cegas e os novos tempos em meio dessa pandemia que afeta a todos.

Prezados leitores,

Em tempos de Pandemia, e incertezas, há premência de um reinventar(se), que aflora a todo instante, em meio aos desafios que colocam em xeque a existência humana, possibilitando-nos trabalhar as nossas práticas cotidianas, desde as mais imediatas, chegando-se àquelas, nem tanto.

O atual cenário, que se descortina para as sociedades modernas e, em particular, a brasileira, exige um isolamento necessário e fundamental para se reorganizar o pensar, o compreender e por que não o reviver?! Nesses momentos, em que a virtualidade desenha outras formas de convívio e interação, torna-se possível identificarmos os nossos “eus”, e suas possibilidades do vir a ser, conforme afirma Hall, 2003¹.

Esse é um momento único em que o conhecimento adquirido ao longo dos anos de pesquisas, relacionadas com a construção de sentido e a percepção de identidades sociais,  nos proporciona interpretar o nosso entorno a partir de algumas linhas teóricas, que vão se consolidando no praticar das formas de convívio em ambientes digitais.

Nossos estudos desenvolvidos com as pessoas cegas (ou com grave comprometimento da visão) objetivaram investigar como essa construção identitária ocorreria  a partir de eventos audiodescritos. Os resultados nos apresentaram uma forma particular de conceber a vida, por meio da experiência daqueles que, sem as referências visuais, constroem diariamente a sua interpretação de mundo, por meio de outros sentidos como a audição e a percepção tátil-cinestésica.

De certa forma, aprendemos muito com esse universo, pois, o aparente isolamento em que vivem, é resultado do estereótipo social, cristalizado em nossa cultura, permeado pela ignorância e pelo preconceito. Nosso convívio nessa comunidade mostrou que, ao contrário, os cegos são muito dinâmicos e comunicativos.

Forçosamente, nesses tempos em que a morte assombra o sono e o sonho, nós, videntes², tivemos de reinventar possibilidades de linguagem, ao mesmo tempo, em que nos voltamos para nós mesmos. Seria uma espécie de autorreflexão, em que a tela da tecnologia realiza “bakhtinianamente” a mediação necessária entre o eu e o outro.

Não seria exagero afirmar que a teoria, nesta situação vivida, nos fornece os instrumentos indispensáveis para compreender os acontecimentos, que nos cercam de forma mais profunda, mesmo que estejamos confinados nos espaços delimitados de nossas casas.

Portanto é indispensável “ver com olhos livres”, parafraseando Oswald de Andrade, o novo amanhã para entendê-lo em toda a sua complexidade.

Afinal, ninguém melhor do que a pessoa cega para nos ensinar a enxergar com os olhos da alma.

(1) STUART, Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: RJ, 2005, 10ª. Ed.

(2) Vidente: termo empregado para se referir as pessoas não cegas.

Professor Saulo César escreve mensalmente nesse espaço. Para acessar suas outras colunas, clique aqui.

 

Nessa coluna o professor Saulo César reflete um pouco sobre as pessoas cegas e os novos tempos em meio dessa pandemia que afeta a todos.

Uso de modalizadores pela pessoa com deficiência visual, parte 2

Nesta coluna o professor Saulo César nos conta mais detalhes sobre a leitura e os desafios das novas tecnologias para as pessoas com deficiência visual.

Continuando a coluna do professor Saulo César, seguimos com a segunda parte.

Caso não tenha lido a primeira, basta clicar aqui.

IDENTIFICAÇÃO DAS EXPRESSÕES MODALIZADORAS NOS GRUPOS SOB INVESTIGAÇÃO

A análise será apresentada de modo resumido, dadas as características e finalidades de um artigo como este. A leitura dos protocolos, referentes às expressões modalizadoras, de acordo com modelos estudados na fundamentação teórica, permitiu identificar os seguintes usos: 1. Expressão aproximativa, com valor pragmático de incerteza ou imprecisão, com relação ao outro ou ao objeto descrito (heteroavaliação); 2. Expressão aproximativa, com valor de incerteza ou imprecisão, com relação à própria elaboração do falante (autoavaliação).

Os protocolos dos grupos de controle e focal revelaram resultados interessantes, que foram organizados nos quadros resumitivos 1 e 2,  apresentados a seguir. No primeiro quadro, foram identificadas as expressões aproximativas mais empregadas pelos participantes do Grupo de Controle. No quadro 2, foram também identificadas as expressões aproximativas mais utilizadas pelos participantes  do Grupo Focal.

  1. QUADRO RESUMITIVO COM EXPRESSÕES APROXIMATIVAS MAIS EMPREGADAS / GRUPO DE CONTROLE
 

EXPRESSÕES APROXIMATIVAS

 

 

 

Participantes

 

 

Valor pragmático de incerteza/empregos

 

 

Imprecisão com relação a própria elaboração do falante

 

 

 

 

 

GC2-SF-1

 

 

Uma  certa

Parece que

Praticamente

02

1

1

 

Acho que

Talvez

De certa forma

Necessariamente

Não sei se

Assim

 

8

5

2

1

1

1

 

GC2-SF-2

 

 

 

Parece que

Assim

Acho que

 

1

1

1

 

 

Acho que

Quase

Talvez

Achei

 

9

1

1

1

 

 

 

GC1-SM-1

 

Acho que

Realmente

Aparentemente

Acredito que

Parece que

Parece

Achei

 

12

2

2

1

1

1

1

 

Acho que

Assim

Parece

Parece que

 

5

2

1

1

SUBTOTAL 223

 

 

 

39

  1. QUADRO RESUMITIVO COM

 EXPRESSÕES APROXIMATIVAS MAIS EMPREGADAS /GRUPO FOCAL

 

EXPRESSÕES APROXIMATIVAS

 

 

Participantes

 

 

Valor pragmático de incerteza/empregos

 

 

Imprecisão com relação a própria elaboração do falante

 

 

 

 

 

GF1-SF-1

 

 

 

Imagino que

0

11

 

Acho que

Não sei se foi bem

isso

Assim

 

3

 

1

1

 

GF2-SF-2

 

 

 

 

As vezes

Acho que

 

 

1

1

 

 

Acho que

Talvez

 

 

2

1

 

 

 

 

GF1-SM-1

 

 

Acho que

 

 

3

 

 

 

 

GF1-SM-2

 

 

Acho que

 

3

 

 

SUBTOTAL

 

 

 

10

 

 

 

 

11

Para exemplificar esta análise, serão apresentados dois recortes dos protocolos. O primeiro foi extraído  do Grupo de Controle e o segundo do Grupo Focal.

RECORTE 01 – GRUPO DE CONTROLE

Linhas 62 –70 / Trecho – 05

  1. Pesquisador: tá bom a narrativa/ durante a narrativa em algum momento

62.1 despertou em você a vontade de de ver as imagens? (+)

  1. GC2-SF-2: nossa, então curiosamente não ((risos)) eu imaginei que iria, mas não,
  2. .não porque :: é:: mas assim / acho que / porque a narração é muito bem feita , a

65.mulher que narra ela coloca cada palavra do título muito certeiro, eu consigo

66.construir a imagem, interpretar e pegar o sentido ((inaudível)) da entonação dela

67.Pesquisador:

  1. GC2-SF-2: muito bem feito, todo momento/ o momento em que ele está criando,
  2. momento em que ele ((inaudível)) eh momento de tensão a narração dela foi eh foi
  3. .suficiente acho que pelo modo como ela faz / eu senti

A leitura do trecho, destacado acima, revela na linha 64, o emprego da expressão aproximativa de dúvida da falante “acho que” como forma de organização da resposta proposta pela pergunta do pesquisador. A participante procurou demonstrar que o texto audiodescrito foi suficiente para informar ao leitor sobre o conteúdo da história, não deixando dúvida quando diz: “a narração é muito bem feita”. Mais adiante, na linha 70, a participante retoma a sua tese inicial observando que foi possível entender a proposta temática do vídeo, quando afirma que “foi suficiente (…) pelo modo como ela faz (narração)”.

RECORTE 02 – GRUPO FOCAL

GF1-SF-1

Linhas 11–16 / Trecho – 02

11.Pesquisador: e você acredita que a a audiodescrição ela foi importante nesse

12.processo pra você entender a proposta desse vídeo?

13.GF1-SF-1: sim, sim foi, mas na verdade eu:: eh acho que eu / um texto inteiro por

  1. ser só uma vez é pouquinho mais difícil de conseguir captar a audiodescrição, pelo

15.menos eu tenho uma dificuldade, assim, de da primeira vez que eu ouço, conseguir 16.absorver tudo

A análise da expressão modalizadora “achar que”, em seu contexto interativo, revela que os participantes a empregaram provavelmente intencionando assegurar sua opinião a partir da pergunta realizada pelo pesquisador. Nesse sentido, tem-se a expressão aproximativa de incerteza “achar que”, como elemento organizador do argumento, comum entre os participantes com deficiência visual e o pesquisador, seguindo estratégias semelhantes às do grupo de controle.

A MENSURAÇÃO DE ALGUNS RESULTADOS

O uso das expressões modalizadoras de proximidade pelos participantes do grupo focal, ao serem comparados com o grupo de controle, apresentou algumas sequências que se aproximaram ao emprego realizado pelos videntes, sem, no entanto, perder as suas particularidades. As convergências estão no emprego das expressões modalizadoras de proximidade explícitas; aquelas em que os falantes revelam a sua opinião, ao fazerem o uso da primeira pessoa (eu), por exemplo, flexionando o verbo modal epistêmico, relacionado ao emprego do pronome “que”. A expressão modalizadora de proximidade mais empregada no grupo composto por indivíduos com deficiência visual foi “acho que”, conforme se poderá conferir no quadro resumitivo 2. Com esse resultado, inferimos que o uso de expressões modalizadoras, formadas por “acho que”, pelos participantes com deficiência visual, evidencia um posicionamento mais seguro, mais “concreto”, em relação ao objeto audiodescrito, levando em conta que a percepção de mundo dessas pessoas passa por um processo tátil-cinestésico, ou seja, é preciso sentir o objeto em suas mãos, percebê-lo com o tato para interpretá-lo. Dessa maneira, quando o participante se posiciona em primeira pessoa, fala a partir de um mundo conhecido, onde se sente seguro, pois tem como referências sua própria experiência de pessoa com deficiência visual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMIRALIAN, Maria Lúcia T. M. Compreendendo o cego através do procedimento de desenhos-história:uma abordagem psicanalítica da influência de cegueira na organização da personalidade. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo,1992.

GONÇALVES, S. C. L. LIMA-HERNANDES, M. C. & CASSEB-GALVÃO, V. C. (org.). Introdução à gramaticalização: princípios teóricos e aplicação. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

KOCH, Ingedore Villaça e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 2005.

MELO, H. F. R. de. Deficiência visual: lições práticas de mobilidade. São Paulo: Unicamp/Pontes, 1991.

MOTTA, Lívia Maria de Mello e ROMEU FILHO, Paulo (org.). Audiodescrição: transformando palavras em imagens. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/pl anejamento/prodam/arquivos/Livro_Audiodescricao.pdf . Acesso em: 08 de dez. 2014.

NEVES, Maria Helena de Moura. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006. _____. Uma Visão Geral da Gramática Funcional. Revista Alfa (online), São Paulo, Vol. 38: 109-127,1994. E-ISSN: 1981-5794. Disponível em http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3959. Acesso em 14/05/2017.

NUNES, I. E.; DOURADO, L. Concepções e práticas de professores de Biologia e Geologia relativas à implementação de ações de Educação Ambiental com recurso ao trabalho laboratorial e de campo. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 8, n. 2, p. 671-691, 2009.

SACKS, Oliver. Um antropólogo em marte. São Paulo: Cia das Letras, 2005.

SANTOS, Gabriela Loureiro et al. A gramaticalização do verbo achar no português do Brasil sob um ponto de vistas diacrônico. Revista Revele. No. 05, 2013. Disponível em file:///C:/Users/MCP3/Downloads/4351-12248-1-SM.pdf. Acesso em 19/05/2017.

SILVA, Saulo César da. Percebendo o ser. São Paulo: LCTE, 2009.

VIEIRA, Paulo A. de Melo e LIMA, Francisco José de. Teoria na Prática: uma inovação no material didático. Revista brasileira de tradução visual. Vol. 02, 2010. Disponível em http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/pri ncipal/search/titles. Acesso em: 07 de novembro de 2016.

ZANOTTO, Mara Sophia. Indeterminação, metáfora e a construção negociada do sentido: uma contribuição para o ensino da leitura – Projeto integrado. PUC-SP, 2002.

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Tantas máscaras

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de "máscaras", tão vistas nesses tempos!

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de “máscaras”, tão vistas nesses tempos!

E, de repente, em pleno século vinte e um, as máscaras estão na maioria dos rostos. São brancas, pretas, coloridas, estampadas, maiores e menores. Algumas conseguem ser até bonitas; outras parecem ter saído dos laboratórios da NASA.
O latim medieval registra a palavra máscara como masca. Passou para o italiano com maschera e significa espectro, pesadelo. Não há comprovação, mas dizem que em árabe, maskhara significa palhaço, bufão.

As máscaras fazem parte da história da humanidade. Na China, as máscaras eram usadas para afastar os maus espíritos. Na Grécia e Egito eram inseridas sobre o rosto dos falecidos, na crença da passagem para a vida eterna. Na Ásia, estão presentes tanto nos ritos espirituais como nas cerimônias de casamento.

Máscaras de Beijing
Máscaras de Beijing

Elas eram usadas nos teatros e representavam situações verdadeiras. Ainda permeia o universo da imaginação, uma busca coletiva para as dimensões abstratas, espirituais e invisíveis. Os rituais sagrados da África demonstram isso. Os indígenas norte-americanos as usavam nos momentos em que os seus entes queridos partiam desta vida. Os esquimós do Alaska acreditavam na face dupla de cada ser e assim elas eram feitas, com duas faces. Já os indígenas brasileiros portavam máscara simbolizando animais, pássaros e insetos.

Ao que tudo indica, no momento atual, as máscaras retornam, tomando seus lugares como foi com os povos antigos. Assim como nas tribos primitivas, em que os índios mais velhos as usavam em cerimônias de cura para expulsar entidades negativas, agora, pautada na ciência, pode ajudar a evitar o contágio do vírus que assola a humanidade.

E mostram-se soberbas nos rostos de todos os povos do mundo. Já não faz parte de ritos, mas de uma necessidade imposta pela realidade que, provavelmente, mudará muitas relações humanas estabelecidas no processo histórico.

Para além das máscaras concretas que vemos nos rostos das pessoas que encontramos nas ruas, há muitas outras, de variadas nuances se apresentando. A variação se dá principalmente nos discursos que são propalados todos os dias, todas as horas e que visam sempre interesses particulares.

Nos rostos de políticos, elas são travestidas de verdades, como se fossem uma representação teatral através das palavras ajuda, socorro, segurança, preservação da vida. No entanto, na prática, as palavras são transformadas em desmandos autoritários: prenderam mulheres, trabalhadores e até crianças sem que tenham cometido nenhum crime. O motivo alegado é “o não uso da máscara”.
Nas caras dos juízes elas se camuflam sob o nome liberdade. Liberdade cedida chefes do tráfico, quando deveriam deixá-los confinados e a políticos corruptos que assaltaram os cofres públicos e zombaram dos trabalhadores honrados. A máscara de justiça se estende até a estupradores que são liberados sob o argumento de que na prisão, o vírus pode ser fatal para eles. São descarados mascarados de representantes da lei e da ordem.

As máscaras são muitas. E, muitas vezes são tão bem elaboradas que conseguem enganar. Elas estão nas caras dos líderes que foram instituídos para governar nações, países, estados e municípios. Muitos se dizem infectados e se encastelam em suas boas casas. Mas pergunta fica: como foram contaminados se eles conheciam as regras? Usam a máscara da mentira de diferentes formas porque já não sabem quais são os verdadeiros princípios da cara humana.

No transcorrer dos anos e até séculos, também o mundo esteve escondido por trás de uma grande máscara. Ela escondia de muitos a verdadeira chaga que mata mais do que vírus: a desigualdade social. São milhões de pessoas que não têm água limpa para beber, muito menos para lavar as mãos. Praticamente metade da população mundial que mora em periferias, não possui saneamento básico. Suas casas são amontoados de paredes onde a privacidade de uma família inexiste. Sair de dentro delas é mais seguro do que permanecer ali.

Já não se pode mascarar a realidade dizendo que é preciso se esforçar mais para melhorar de vida. Seria o mesmo que acusar grande parte da população mundial de vagabunda. Uma máscara que precisa ser desmistificada.

O mundo pós-pandemia deixou cair muitas máscaras e exige uma nova face. Nela, as escolas não serão mais um lugar para as crianças irem matar a fome de comida, mas sim de conhecimento e desenvolvimento de seus talentos; os hospitais não serão mais depósitos de gente pelos corredores e seus profissionais terão formação e recursos para se manterem íntegros mental e fisicamente; os seres humanos terão condições básicas para sobreviver com dignidade.
Uma face com o nome de esperança travestida de mais justiça social.

Elza Gabaldi é professora de português para nativos e estrangeiros há 30 anos. Para ler suas outras colunas, clique aqui.

 

 

Nessa crônica a professora Elza Gabaldi escreve sobre a raiz etmológica, usos reais e figurados de “máscaras”, tão vistas nesses tempos!

Uso de modalizadores pela pessoa com deficiência visual, parte 1

Nesse espaço o professor Saulo César fala sobre educação em Língua Portuguesa para com deficiência visual e a construção de sentido.

Originalmente um artigo, apresentamos agora em formato de coluna e para esse propósito foi dividido em duas partes.

INTRODUÇÃO

Pesquisar a construção de sentido pela pessoa com deficiência visual, por meio das marcas modalizadoras em seu discurso, exige a percepção de um olhar atento sobre o objeto analisado, que vai além das referências visuais dos videntes[1]. Ao se falar em deficiência visual, é fundamental, primeiramente, descrever, resumidamente o seu conceito e a importância da audiodescrição como ferramenta de acessibilidade, pois ainda é tema pouco explorado no universo das pesquisas acadêmicas.

O termo deficiência visual, não raro, é empregado, genericamente, pelo senso comum, como relacionado às pessoas que “não enxergam”. No entanto, um aprofundamento nos estudos relacionados ao assunto, remete-nos para definições próximas, porém, particularizadas, pois envolvem diferentes graus de comprometimento da acuidade visual.

Nessa perspectiva, identificam-se dois grupos organizados da seguinte maneira:

Primeiro Grupo: Composto por deficientes visuais, que interpretam o mundo por meio de percepção tátil-cinestésica e auditiva. Esse grupo está subdividido em cegos congênitos e tardios. Os cegos congênitos são aqueles que já nasceram sem visão e, portanto, segundo os estudiosos do tema, não apresentam memória visual. Por outro lado, pode-se afirmar que há estudos que defendem a ideia de que se a perda da visão ocorrer a partir dos 05 anos de idade, esse indivíduo apresentará  memória visual. Os cegos tardios se caracterizam pela perda da visão, ao longo da vida, por ações externas como traumas no nervo ótico, perfurações do cristalino ou ainda ocasionada pela progressividade de doenças degenerativas como a retinose  pigmentar, exemplificada nas imagens a seguir.

Figura 1.Degeneração dos  Fotorreceptores retinianos
Figuras 3 e 4. simulação comparativa entre a visão normal e a visão comprometida

 

 

 

 

Segundo Grupo: Composto por indivíduos que apresentam grave comprometimento da visão denominado baixa visão. No entanto, diferentemente do grupo anterior, a interpretação do mundo, assim como a execução de tarefas cotidianas, se faz também com o auxílio da visão residual.

A concepção classificatória em dois grupos foi adotada para facilitar a organização da nossa pesquisa, embora ainda persista, na prática, certa falta de consenso. É o que depreendemos na alternância no uso dos termos deficiente visual e cego, por exemplo, em MELO, 1991. Por outro lado, a proposta de AMIRALIAM, 1992 dispõe esses rótulos numa espécie de continuum, baseado no impacto da doença e na funcionalidade biológica dos olhos. Nessa perspectiva, o deficiente visual estaria alocado num ponto de menor impacto se comparado à rotulação de cego, o indivíduo com mais amplo comprometimento da visão. Para fins metodológicos, no entanto, empregaremos o termo deficiente visual como uma classificação mais genérica, envolvendo os diversos tipos de comprometimento da acuidade visual[2] e a partir dessa generalização, a organização das seguintes subdivisões: a) cegos congênitos; b) cegos tardios; c) baixa visão, já mencionadas anteriormente.

Historicamente, as pessoas com deficiência visual foram excluídas dos processos produtivos nas sociedades ocidentais, tornando-se marginalizadas, isoladas e submetidas a tratamentos assistencialistas. Essa ação segregacionista começou a ceder espaço a partir do final do século XX, mais precisamente em meados dos anos de 1980, acentuando-se nos anos de 1990, adentrando nesta primeira metade do século XXI. Lendo-se os inúmeros documentos importantes, relacionados com a adoção de ações efetivas para a inclusão de determinados grupos marginalizados, é possível destacar a Convenção sobre os Direitos da Criança (1988); Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990) e Declaração de Salamanca (1994).

Dentre esses materiais documentais, que impulsionaram o movimento inclusivo, destaca-se a Declaração de Salamanca, que alinhavou o compromisso dos países signatários, dentre os quais o Brasil, durante os Governos Populares, no desenvolvimento de políticas públicas afirmativas em que as pessoas com alguma deficiência obtivessem oportunidades de participação social. No entanto, lamentavelmente, estamos presenciando a perda paulatina dessas conquistas, a partir do momento em que houve uma ruptura com a perspectiva social.

Naquele contexto, as pessoas com alguma deficiência passaram a ter o direito de trabalhar, desfrutar de atividades de lazer, participando de eventos socio-culturais como teatro, shows, cinemas, exposições fotográficas, entre outros, tornando-se, também, consumidores desses bens culturais e neste grupo social também os deficientes visuais. Foi a partir da mudança de paradigma social, que começaram a ser gestadas diferentes ferramentas de acessibilidade, e, posteriormente implementadas, pudessem atender a essa nova demanda, facilitando a interação dessas pessoas com o mundo a sua volta.

A audiodescrição, embora relativamente recente no Brasil, veio ao encontro dessa tendência, suprindo uma lacuna, que torna possível para a pessoa com deficiência visual compreender um evento artístico, podendo, intuir, dessa maneira, sua própria construção perceptiva. O conceito para audiodescrição está associado, segundo MOTA e ROMEU FILHO, 2010, ao recurso de acessibilidade que oportuniza a interação de pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados, como é caso dos filmes, por exemplo, ou ao vivo, como é o caso das peças teatrais e óperas. Outra definição importante, apresentada por VIEIRA LIMA, 2010, conceitua a audiodescrição como uma modalidade de tradução que permite passar de uma linguagem imagética para uma linguagem verbal, objetivando-se a fidelidade da informação original.

Nesse escopo social recente, em que as pessoas com deficiência conquistaram voz, abrindo espaços interativos, a sociedade passou a contar com a presença de muito mais  cidadãos; contexto em que a audiodescrição ganhou significado cada vez mais relevante. A especificidade da audiodescrição para transformar imagens em texto, caracterizando-se como gênero narrativo, proporcionou investigar a ativação dos mecanismos linguísticos na recepção das informações audiodescritas a partir do projeto discursivo-pragmático, ou seja, efeitos de sentido e intenções comunicativas. Isso justificou nossa preocupação com uma pesquisa científica que teve como principal objetivo investigar e identificar a construção de sentido pela pessoa com deficiência visual a partir dos inputs proporcionados pela audiodescrição.

Cabe salientar que essa construção de sentido poderá ocorrer por meio de diferentes estratégias cognitivas dos participantes dos grupos de pessoas deficientes visuais e videntes, observando-se as marcas linguísticas de opinião, definidas como expressões modalizadoras de proximidade. Para isso, foram analisadas as funções discursivo-pragmáticas, referidas anteriormente, relativas às expressões modalizadoras, considerando-se a intenção do falante.

Durante a análise dos protocolos, tanto do grupo focal, quanto do grupo de controle, foi possível identificar o uso de alguns verbos epistêmicos de opinião e, de uma maneira geral, das expressões modalizadoras. Isso nos chamou a atenção, pois, embora esses verbos estejam na primeira pessoa gramatical, esse tipo de flexão  caracteriza, na maioria das vezes, os verbos deônticos.

Nesse caso específico, segundo NEVES, 2006:

uma expressão tende menos para uma interpretação deôntica quando está na terceira pessoa, e mais quando está na primeira, enquanto a modalidade epistêmica se associa mais com a terceira pessoa e menos com a primeira. Entretanto, os verbos de opinião (epistêmicos) são característicos de primeira pessoa (…) ( 189). (Grifo Nosso).

É preciso salientar, entretanto, que as expressões modalizadoras não se limitam aos verbos, observado anteriormente, podendo, ainda, ser classificadas em expressões  implícitas ou explícitas (BALLY, 1942, apud NEVES, 2006, 170). Contudo, levando-se o caráter funcionalista de boa parte da base teórica, desta pesquisa, trataremos tão somente das explícitas como, por exemplo, “acho que”, “parece que”, “talvez”. Os falantes, ao comentarem sobre o vídeo, consomem maior tempo para as expressões aproximativas, em que há uma dúvida implicada, do que para as necessidades e possibilidades. Essa é a razão por que decidimos nos determos na análise da gradação das expressões aproximativas.

JUSTIFICATIVA DA CLASSIFICAÇÃO DAS EXPRESSÕES MODALIZADORAS E SUA FUNÇÃO NO ENUNCIADO

Partindo-se do pressuposto de que a definição de expressões modalizadoras, ainda não é consensual, levando-se em consideração o número de diferentes linhas teóricas que as estudam, tem-se, como resultado, certa “flexibilidade” conceitual a seu respeito, conforme assinala NEVES, 2006, 151. Nesse sentido, é importante observar que a modalização, a partir do universo linguístico, caracteriza o uso das línguas naturais nos mais diversos contextos socioculturais. Nessa perspectiva, faremos a delimitação, como já apontado, de nos concentrarmos nas expressões modalizadoras explícitas, embora essas expressões não sejam estáticas, caracterizando-se ora com valor pragmático de incerteza, ora com valor de incerteza na própria elaboração do falante. Portanto, há momentos em que o falante apresenta alguma dúvida em relação ao objeto interpretado em outras situações apresenta incertezas a partir de uma autorreflexão na construção argumentativa.

Os contextos em que essas expressões foram empregadas possibilitaram, ao pesquisador, mensurar, ainda que subjetivamente, as intencionalidades que o seu uso procura garantir, quando do emprego de estratégias que visam aceitabilidade. Para sustentar essa mensuração, é fundamental partir de dois pontos imbricados: a intencionalidade do ponto de vista linguístico e o processo de gramaticalização que o verbo “achar” nas expressões modalizadoras tanto de incertezas pragmáticas, quanto de dúvidas e incertezas na própria elaboração do falante.  

Do ponto de vista comunicacional KOCH, 2010, afirma que no processo interacional, a intencionalidade está baseada na intenção do produtor, a aceitabilidade compreende o modo com que o receptor reage à informação. Nesse sentido, a aceitabilidade dependerá da aceitação da produção por parte do interlocutor como um processo informacional coeso e coerente (KOCH, 2009ª, 43).

METODOLOGIA

Para a coleta de dados, foram organizados dois grupos: 1. Grupo de Controle, composto por alunos universitários videntes do curso de pós-graduação da USP com idades entre 18 e 30 anos. 2. Grupo Focal, composto por alunos da LARAMARA, com diferentes comprometimentos na acuidade visual, com idades semelhantes.

Os encontros para a coleta de dados foram realizados na LARAMARA e na Universidade de São Paulo,  nos quais foram projetados o vídeo audiodescrito “Perfeito” e, posteriormente, aplicado o protocolo verbal individual, que, de acordo com SILVA, 2009 (apud ZANOTTO, 2010) é definido  como um método subjetivo no qual o participante opina sobre algum evento, emitindo um ponto de vista a partir do questionamento do entrevistador/pesquisador, sendo o evento registrado por meio de gravação em vídeo ou áudio.

Primeiramente, foram entrevistados os participantes do grupo de controle e, na sequência, os participantes do grupo focal. A seguir, apresentaremos, resumidamente,  uma análise comparativa entre os protocolos dos participantes de ambos os grupos e os resultados obtidos.

[2] Acuidade visual é a capacidade do olho para distinguir detalhes espaciais, ou seja, identificar o contorno e a forma dos objetos. A acuidade visual depende de fatores ópticos e neurais: da nitidez que a imagem chega na retina, da saúde das células retinianas e da capacidade de interpretação do cérebro. http://www.lotteneyes.com.br/glossario-acuidade-visual/  Acesso em 23-04-2020.

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Recursos para as aulas on-line

A professora Luhema Ueti traz diversos recursos para as aulas on-line que são extremamente úteis, não só nesses tempos de quarentena, mas daqui para frente!

Devido ao momento que o mundo inteiro está passando, as aulas presenciais foram transferidas para aulas virtuais ou on-line e muitos professores se perguntam o que fazer nessas aulas. A primeira dificuldade foi conhecer ou aprender a utilizar plataformas que fazem a interação entre professor e aluno acontecer (Skype, Google Meet, Zoom, Cisco etc.).

Passado esse momento, o professor se pergunta como fazer a aula? Se apenas segue o livro, o aluno em sua casa e o professor na dele? Quais atividades fazer? Quais outros tipos de atividades são possíveis de se fazer com o aluno utilizando diferentes recursos? E são possíveis respostas para essas perguntas que vamos apresentar aqui. No artigo de hoje, vamos apresentar alguns recursos e sugestões de atividades a serem feitas com os alunos para que a aula fique mais organizada e dinâmica.

A primeira resposta para uma das perguntas é que o professor não deve apenas seguir o livro (geralmente impresso) e continuar com o aluno fazendo o que se fazia na aula presencial. É necessário e possível utilizar outros materiais para que a aula continue sendo atrativa e interessante. A seguir apresentaremos alguns recursos úteis:

Google DriveGoogle Drive (para utilizar é necessário ter uma conta no Google – gratuito)

O Google Drive é um recurso em que você pode armazenar arquivos na nuvem. Assim, é possível compartilhar com seu aluno materiais, vídeos, áudios. Você pode criar uma pasta para cada aluno/grupo e incluir os materiais. É possível compartilhar toda a pasta com os alunos ou links de materiais específicos.

Google Docs/Google Documentos (junto com o Google Drive – para utilizar é necessário ter uma conta no Google – gratuito)

Você pode compartilhar materiais no Power Point, Word, Excel (o Google Docs/Documentos) e os alunos podem editar o arquivo.

Outra utilidade do Google Drive é que você pode compartilhar materiais no Power Point, Word, Excel (o Google Docs/Documentos) e os alunos podem editar o arquivo. Com esse recurso, durante a aula, você pode fazer atividades em que os alunos precisam escrever, colar figuras, sublinhar palavras ou frases no Word, por exemplo.

Você pode colocar um texto no Word, compartilhar com os alunos (você pode enviar o link por e-mail, mas não se esqueça de configurar para que todos possam editar o arquivo) e pedir que eles marquem as palavras que desconhecem, que respondam às questões por escrito ou que completem frases. Tudo isso pode ocorrer durante a aula, instantaneamente, como também pode ser feito em outro momento, pois as modificações ficam salvas no arquivo.

Com grupos, você pode pedir para os alunos continuarem uma história, corrigirem as frases escritas pelos outros colegas ou produzirem um dicionário sobre um material específico.

Pessoalmente, essa é a ferramenta que mais utilizo com os meus alunos, pois enquanto o professor fala, o aluno pode fazer anotações como se estivesse fazendo anotações em um livro ou caderno, marcando as palavras que têm dificuldade ou anotando traduções.

Google Docs – Forms/Formulários (para utilizar é necessário ter uma conta no Google – gratuito)

Ainda dentro do Google Drive/Docs existe o Google Forms/Formulários. Com essa ferramenta é possível fazer testes, quizzes, atividades para avaliar ou apenas consolidar o conteúdo estudado. É possível montar atividades que têm correções automáticas e até notas. Não é possível fazer atividades como completar lacunas, mas é possível fazer atividades de múltipla escolha, escrita de parágrafos ou respostas curtas.

Google Classroom/Sala de Aula (para utilizar é necessário ter uma conta no Google – gratuito)

Mais uma ferramenta do Google, nela você pode criar “turmas” para seus alunos. É como se fosse a junção de uma pasta, um mural e um diário de classe. É muito bom para organizar as aulas, as datas das atividades, o conteúdo e isso pode ser compartilhado com o aluno. Para turmas é muito interessante, pois caso um aluno perca uma aula, ele pode verificar o que foi trabalhado. Você pode incluir as atividades e materiais em cada uma das aulas.

Padlet (necessário registrar-se, são gratuitos 3 arquivos, para mais arquivos, é necessário pagar)

O Padlet é uma ferramenta como um mural, mas também pode ser utilizado para criar apresentações e incluir fotos. Uma sugestão de atividade com esse recurso é fazer um dicionário visual, no qual os alunos tiram fotos de objetos ou situações e descrevem-nas.

Quizlet (necessário registrar-se – gratuito)

Com esse recurso, é possível fazer cartões com palavras ou frases e traduções. Além de poder fazer quizzes com as palavras inseridas. Os quizzes podem ser de múltipla escolha, escrita ou soletração). O professor pode criar os cartões ou pedir para seus alunos criarem. É uma ótima ferramenta para os alunos revisarem vocabulário.

Lyricstraining (gratuito, não é necessário registrar-se, mas para o professor acompanhar o que o aluno fez, é bom registrar-se e criar turmas ou desafios)

O Lyricstraining é um site com músicas de diferentes países e línguas e para cada música há atividades de complete ou múltipla escolha. Enquanto a música é cantada, na legenda, há palavras faltando, é necessário escrevê-las ou escolher a resposta correta. É possível escolher uma música do banco de músicas ou, então, inserir uma de acordo com o que o professor necessita. É possível pedir que o aluno insira uma música também. O recurso é gratuito, mas para acompanhar a pontuação dos alunos, é necessário se registrar.

Kahoot! (gratuito, mas é necessário registrar-se)

O Kahoot! é uma ferramenta para criar jogos de múltipla escolha. Você pode criar um jogo com um conteúdo específico e compartilhar com seus alunos. Eles também podem criar os próprios jogos e compartilhar com os colegas.

As atividades e recursos apresentados anteriormente são sugestões para que o professor utilize ferramentas diferentes em suas aulas on-line, tanto para organizá-las quanto para dinamizá-las. Não há um único “modo de fazer”, cada professor pode utilizar de sua imaginação e de acordo com o contexto de seus alunos para adaptar e criar usos diferentes. Se você fizer alguma outra atividade ou algum outro uso diferente do que foi apresentado e quer compartilhar conosco, nos envie um e-mail, vai ser um prazer aprender com vocês.

Youtube (gratuito)

Esse recurso todos devem conhecer, mas é possível fazer atividades diferentes, como: pedir para o aluno criar uma legenda para determinado trecho de vídeo; pedir que o aluno pesquise e sugira vídeos para debater ou que tenham determinado conteúdo aprendido; pedir para o aluno criar um diálogo (escrito ou oral) para uma determinada cena de vídeo; pausar o vídeo em determinados trechos e questionar o aluno sobre o que vai acontecer na próxima cena. Há muitas possibilidades de atividades utilizando vídeos.

WhatsApp (gratuito, é necessário registrar-se)

O WhatsApp é um aplicativo muito utilizado pelas pessoas para comunicação, mas é possível utilizar esse recurso para propor atividades, para isso, o professor pode abrir um grupo com seus alunos. Algumas das atividades que podem ser feitas são: gravar áudios sobre determinado assunto; criar/usar memes ou sticker sobre expressões. Pode-se fazer atividades enviando uma foto ou palavra para um aluno no privado e, no grupo, esse aluno deve descrever sem utilizar a palavra específica para que os outros alunos descubram o que é. Há também inúmeras atividades possíveis utilizando esse recurso, deixe a sua imaginação criar.

 

Luhema Ueti é professora de PFOL desde 2005, formada Letras e Pedagogia, com Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Escreve nesse espaço sempre que pode! Leia suas outras colunas aqui.